Como isso começou? Ah... fico um
pouco envergonhada... foi algo muito particular, muito íntimo... Mas vou tentar
explicar os pormenores à medida que for me lembrando dos eventos, dos motivos,
das pessoas, enfim, de quase tudo; e mesmo que me lembre de tudo, acho que não
seria totalmente certo ou real, pois é impossível resgatar com toda fidelidade
os fatos que ocorreram em um momento específico, impossível fazer com que ele
se apresente tal como aconteceu; nossas memórias e linguagem apenas indicam um
fato de acordo com o que achamos ter sido.
Mas vamos atrás.
Sempre gostei, adorei a festa de Natal.
Aquelas luzes, aquelas cores, aquela sensação incomparável de um clima ameno,
uma tranquilidade típica da cena do presépio, algo tanto quanto bucólico.
Todos os anos, arrumávamos nossa
casa, ajudava minha mãe nos preparativos, na cozinha, na arrumação da casa.
Cresci com esse costume.
Mas algo me foi tomando conta, uma
vontade cada vez mais constante de arrumar não só minha casa, mas também as dos
vizinhos, todo o prédio. Não acham que estou correta? Que nessa época tudo deve
estar brilhante e belo para celebrar o nascimento do Cristo? Por que um prédio
tão tradicional e antigo desta rua deveria estar nesta data tão morto e
apagado?
Alguns concordaram. Outros ficaram
sem nada dizer. Quatro pessoas me ajudaram a arrumar a frente do prédio. Acabou
faltando algumas guirlandas, alguns pisca-piscas...
Mesmo assim não esmorecemos, tudo
se nos põe à prova e não desisto em casos assim. Estava decidida a conquistar
mais pessoas daquele prédio.
Todos os dias, deixava mensagens
dentro das caixas de correspondência, mensagens bem escritas dizendo os motivos
de arrumar o prédio e dentro de cada apartamento, demonstrei cada proposta,
eram argumentos a que ninguém tinha um contra.
Aos poucos foram cedendo. Já estava
certa disso.
E ficava umas três ou quatro
semanas ajeitando, preparando os apartamentos de cada vizinho para o Natal. As
árvores, os presépios, a mesa da ceia, as roupas novas que vestiriam à noite, a
arrumação dos armários, a limpeza de cada cômodo, tudo eu fazia para estar à
altura daquela noite tão especial.
Não só isso. A cada criança e
adolescente eu dava aulas de etiqueta, explicava a história daquela
festividade. Educava, enfim, retirando todo mau hábito. Com os adultos eu fazia
quando estava no seu apartamento, durante os preparativos, conversava
delicadamente sobre as mais altas razões de se preparar para a noite. Difíceis
eram os mais idosos, não todos, mas aqueles que não tinham seus parentes,
filhos, netos por perto, seja qual fosse o motivo. Mas com minhas palavras e as
técnicas necessárias, conseguia convencê-los.
De fato consegui todo o prédio. Mas
falta mais. As casas e outros prédios da minha rua, alguns deles não têm esse
costume. Isso me deixa muito infeliz.
Amanhã irei até lá.
Gabriel Sant’Ana
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