quinta-feira, 30 de maio de 2013

Tollebat citharam ( I Sm 16, 23)

dedilhava delicadamente
de Saul a cítara e o sentimento
recedendo o outro espírito
ressentido
rasgando ao sair com garras
a pele pelo sumo divino esquecida

leves ficando os humores
por dedos leves
assovios harmônicos

impaciente e grave rosto
brando e suave formando

antipático demônio
de traços grosseiros
incitando à diva aversão cítara
sacoleja o pesado corpo real
expelindo babas esverdeadas
revirando seus olhos
grossa voz faz sair da boca
impropérios e ameaças e gritos

dedilha mais suave
ao ouvido quase inaudível
seu corpo e suas mãos
se afastam em dança angelical
do possuído a cair pelo próprio
nó das pernas difusas

um novo hino sai da minha boca
para enaltecer tua vitória
sobre toda força brusca e animal.
não precisas a esta ser igual.
basta a ti a leveza inaudível
de harmoniosos instrumentos.
a ti bastam mãos delicadas
dedilhando por tua inspiração
o silente som
Eu sou Eu sou



Gabriel Sant'Ana


quarta-feira, 29 de maio de 2013

amor

e eu de você









(Gabriel Sant'Ana)

Véspera de Corpus Christi

Talvez um momento propício para uma reflexão existencial. Ou algum comentário sobre a necessidade da religião para o ser humano. Ou alguma interpretação de um trecho bíblico escolhido para este momento.
Talvez este espaço servisse para ser rascunhado algum discurso que estabelecesse uma intertextualidade com algum sermão do pe. Vieira. Ou fosse apresentada uma série de tópicos que descrevessem este momento em que enuncio meu discurso, ou mesmo tópicos de ideias a serem desenvolvidas futuramente.
Esqueço qualquer profundidade semântica - peço que o façam. Apenas considero o espaço desta folha e o espaço físico em que me insiro. Apenas me importa a linearidade sintática que existe até aqui e que ainda virá a ser escrita e terminada ou por ponto final ou reticências ou uma frase inacabada.
Mas a sensação existente das vésperas de feriados que latejam pulsantes nas minhas veias é de completo emudecimento.
Iria primeiramente considerar o peso que um feriado traz para a existência ou a necessidade da religião ou um trecho bíblico ou um sermão religioso ou uma topicalização de ideias afins. Mas não frutificou. Não dei cabo à vontade.
Cheguei ao ponto problemático - vontade.
Nenhuma divindade ou potência ou ser ou impulso me inspirou uma vontade.
Apenas várias pessoas passando pelos corredores circulares do shopping, apenas sentado observando e sentindo este ritmo sinestesicamente confuso, escrevendo algumas linhas despretensiosas cujo raciocínio se pode resumir em





Gabriel Sant'Ana

3 cenas

Cena 1

Repousa cuidadosamente sobre a mesa alcançada com dificuldade a bandeja com sua porção individual de lanche que demorou a ser preparado trinta minutos porque o empregado era recém-contratado e apresentava dificuldades no preparo do hambúrguer. Não se senta na cadeira. Vira-se para procurar onde se encontrava na fila naquele momento sua mais recente companheira que havia se demorado no banheiro mas ele fora adiantar indo procurar uma opção adequada aos hábitos alimentares de ambos, em seguida lhe envia mensagem de celular informando que já se encontrava na fila, ela lê a mensagem ainda dentro do banheiro, fazendo xixi, imagina como ele é atencioso e se lembra como ele tinha recebido calorosamente com um abraço tenro, sai lava as mãos se olha no espelho diz a si palavras de encorajamento e deseja que tudo dê certo, encaminha-se aonde ele estaria mas não o encontra, ficando assim em outra fila mas do mesmo estabelecimento, envia-lhe mensagem avisando o imprevisto e dizendo para ele comprar o que desejasse, que ela o encontraria na mesa que ele escolhesse, o reconheceria pela roupa.
Ele se vira para o estabelecimento em que ela estava ainda fazendo o pedido, acena-lhe, ela também, mas ele não se senta ainda, deseja intimamente iniciar o ritual de comer o primeiro lanche do primeiro encontro com ela. Uma das mulheres da limpeza se aproxima e pergunta se há algum problema, se a mesa estava suja ou se ele queria uma cadeira para crianças, não tudo bem estou esperando minha namorada. Ele se mantém estático, realizando levemente movimentos impacientes das mãos e dos olhos e dos pés e sua respiração ofegante aumentando seu nervosismo. Pergunta se ela já vinha, sim o meu lanche tá demorando um pouco fica tranquilo bj. Apesar da demora, possivelmente fora atendida pelo mesmo recém-funcionário, ela estabelece uma promessa de que certamente virá. Afasta irritado algumas moscas que sobrevoam sua bandeja, realmente inaceitável a existência de tais insetos em uma praça de alimentação depois de comer uma reclamação no serviço ao cliente.

Cena 2

Propõe que ela durma em sua casa. Aceita. Beijam-se ardentemente, enlaçam as mãos e vão para o estacionamento. Em ambos é igual o fluxo acelerado de sangue e de ar, em ambos a mesma expressão comum de impulso sexual. Adequadamente vestida e vestido para prazerosamente se desvestirem, acompanhados de vinho seco.

Cena 3

Não se obtém dela uma possibilidade futura de compartilhar o mesmo hábito e as mesmas manias. O jeito como ela segura o garfo e a faca, a maneira como mastiga, fala enquanto mastiga, apesar de ter percebido no primeiro encontro, a inconstante irregularidade desconforme é irritante.
Marca um encontro para as 19 h.



Gabriel Sant'Ana

o espaço existente

entre um copo de refrigerante
pessoas correndo para a liquidação
olhares curiosos do primeiro encontro
e um sanduíche dentro da caixa
e o vão da entrada da loja
e as mãos desejantes por se tocar


Gabriel Sant'Ana

segunda-feira, 13 de maio de 2013

não leia

tu ressoando em cada pulsação e extravasamento nas minhas noites solitárias e manuais em pensamento (considerar depois)

adepto a uma desconsideração prática simplesmente procuro ilusões memoriais e uma bebida barata, um refrigerante na promoção, quente

ainda falta considerar minha mania de enxugar primeiro a cabeça e depois as costas, de ensaboar primeiro o peito após os braços... Por que minha mania de pisar com o pé direito ao sair de casa e saindo do portão de costas?

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ressoando na minha cabeça tua imagem corpórea e me toco com as mãos sentindo tua possibilidade de estares a me tocar e engolir-me por completo e de sugar-me infinitamente sem receios

desconsidero praticamente tudo o que ilusoriamente se faz presente na minha memória e rejeito toda bebida barata e quente e de promoção, prefiro que me engane o supermercado ao me dizer que determinada bebida seja a melhor, ainda que seja o contrário

não tomo banho há um mês, todos dias entro no banheiro, abro o chuveiro para sentir a queda da água, depois do que finjo me enxugar, gravo isso na câmera; gravo também os passos simétricos que produzo ao ir para a estação de trem a caminho da faculdade; gravo todas essas pessoas andantes de olhar vazio e bocas semiabertas desejosas de um ar mais quente e venenoso

então toca o sinal indicador da estação na qual devo parar meu trajeto férreo e por descuido me lançar a uma via cansativa de asfalto e passarela e sinais e esbarrões que me roubam a alma de que piedosamente cuido todos os domingos

o descuido causador de quedas multíplices a que por fúria desmedida se sujeita - ridícula frase

ridículo texto - desconsidera o que leste até aqui

Praça dos sobreviventes

Saindo do portão gradeado e alto da escola, há uma praça que fica em frente, a uns dois metros, de uma igreja que abre às seis da manhã, cu...