quarta-feira, 2 de julho de 2014

Do testemunho mui digno de exemplo de uma senhora sobre a libertação que lhe aprouve dar a divindade aos intestinos presos pelas mãos do cruel demônio

A rua principal começa a dar seus primeiros sinais, faz o sinal da cruz ao sair do portão de casa, apressa o passo, daqui a poucos minutos vem o ônibus, levanta o braço, para o ônibus, sobe com um pouco de dificuldade as escadas, não tem o costume de esticar os membros ao se levantar, muitas vezes já lhe disse o médico que são de muito proveito para o corpo os alongamentos, os exercícios físicos, mesmo que não tivesse como pagar uma academia ou natação, é sempre possível, quando se quer, arranjar alguns minutos ou mesmo uma hora nos finais de semana para uma caminhada, no início, ou uma bicicleta, aos poucos vai aumentando o percurso e a intensidade e a velocidade, a respiração começa a ser mais constante e sem impedimentos, os batimentos cardíacos tomam mais constância, flui o sangue melhor, pernas e braços são os mais óbvios a aumentarem a consciência dos próprios movimentos, juntos a eles a cabeça, as coxas, os joelhos parecem se revelar, daí uma vida mais sadia, como dizem todos os manuais e programações televisivas de bem-estar, mas continuando com esses hábitos sedentários suas dores nos joelhos irão piorar, paga a tarifa, passa a roleta, já havia visto do lado de fora muitas pessoas de pé, mesmo assim seus olhos buscam assento.

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Retorna a casa sempre por volta do final do jornal. A empregada já tinha deixado a comida sobre a mesa, ainda se viam gotículas de água no pote. Hoje será a segunda semana. No horário marcado, ela manda uma mensagem para entrarem em sintonia. Demorou a entender a necessidade de certos movimentos, certas posições, mas, conforme comprovando os resultados, aceitou as obrigações e as indicações que a empregada lhe dava.
Entra no quarto. Fecha a porta. Fecha a janela. Liga o ventilador de teto. A perna e o pé esquerdos servem de apoio, o joelho direito desce até o chão, após isso é a vez do esquerdo, os braços vão em direção à cama, os cotovelos se colocam eretos no colchão, as mãos se encontram, colam-se as palmas e os dedos, não mais fica reparando nas miudezas de um dedo em relação ao outro, nas unhas cujo esmalte já se descascava, nos calos. Será consigo como foi com Júlia, que há muito sofria com dores na barriga pelo mau funcionamento do intestino grosso, mais rumina palavras, escorrem gotas de suor à medida que força contra o chão os joelhos.

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Na semana seguinte não foi ao trabalho. Os corpos nus, dentro do quarto fechado e fechada janela, ventilador de teto ligado, debatem-se um contra o outro, deitam-se na cama forrada com lençol azulado, rádio ligado na estação AM do qual saem chiados que impedem uma música instrumental, depilados, conseguem o mínimo de atrito.



Gabriel Sant’Ana

Praça dos sobreviventes

Saindo do portão gradeado e alto da escola, há uma praça que fica em frente, a uns dois metros, de uma igreja que abre às seis da manhã, cu...