A
rua principal começa a dar seus primeiros sinais, faz o sinal da cruz ao sair
do portão de casa, apressa o passo, daqui a poucos minutos vem o ônibus, levanta
o braço, para o ônibus, sobe com um pouco de dificuldade as escadas, não tem o
costume de esticar os membros ao se levantar, muitas vezes já lhe disse o
médico que são de muito proveito para o corpo os alongamentos, os exercícios
físicos, mesmo que não tivesse como pagar uma academia ou natação, é sempre
possível, quando se quer, arranjar alguns minutos ou mesmo uma hora nos finais
de semana para uma caminhada, no início, ou uma bicicleta, aos poucos vai
aumentando o percurso e a intensidade e a velocidade, a respiração começa a ser
mais constante e sem impedimentos, os batimentos cardíacos tomam mais
constância, flui o sangue melhor, pernas e braços são os mais óbvios a
aumentarem a consciência dos próprios movimentos, juntos a eles a cabeça, as
coxas, os joelhos parecem se revelar, daí uma vida mais sadia, como dizem todos
os manuais e programações televisivas de bem-estar, mas continuando com esses
hábitos sedentários suas dores nos joelhos irão piorar, paga a tarifa, passa a
roleta, já havia visto do lado de fora muitas pessoas de pé, mesmo assim seus
olhos buscam assento.
***
Retorna
a casa sempre por volta do final do jornal. A empregada já tinha deixado a
comida sobre a mesa, ainda se viam gotículas de água no pote. Hoje será a
segunda semana. No horário marcado, ela manda uma mensagem para entrarem em
sintonia. Demorou a entender a necessidade de certos movimentos, certas
posições, mas, conforme comprovando os resultados, aceitou as obrigações e as
indicações que a empregada lhe dava.
Entra
no quarto. Fecha a porta. Fecha a janela. Liga o ventilador de teto. A perna e
o pé esquerdos servem de apoio, o joelho direito desce até o chão, após isso é
a vez do esquerdo, os braços vão em direção à cama, os cotovelos se colocam
eretos no colchão, as mãos se encontram, colam-se as palmas e os dedos, não
mais fica reparando nas miudezas de um dedo em relação ao outro, nas unhas cujo
esmalte já se descascava, nos calos. Será consigo como foi com Júlia, que há
muito sofria com dores na barriga pelo mau funcionamento do intestino grosso,
mais rumina palavras, escorrem gotas de suor à medida que força contra o chão
os joelhos.
***
Na
semana seguinte não foi ao trabalho. Os corpos nus, dentro do quarto fechado e
fechada janela, ventilador de teto ligado, debatem-se um contra o outro,
deitam-se na cama forrada com lençol azulado, rádio ligado na estação AM do
qual saem chiados que impedem uma música instrumental, depilados, conseguem o
mínimo de atrito.
Gabriel
Sant’Ana