insistentemente bate
com o martelinho a noz para fazer o esperado bolo de nozes deste natal com
nosso punho fortemente mãos seguras firmemente estraçalhando em miúdos pedaços
as nozes repete as batidas em agressividade crescente constantemente daqui
algumas horas virão nossa sogra nossos sobrinhos com seus sorrisinhos felizes
de uma felicidade oca e transparente seus presentes empacotados tão belos
quebrando minha expectativa porque não irei ganhar aquela roupa que vi na loja
quando estava em madureira hoje mais cedo porque não fica bem para tac tac rude
esfrangalhar nossos dedos mais vermelhos palmas das mãos avermelhando no
martelo alguns pedaços vão para longe no chão do lado de fora da casa tô com
fome mãe vem logo o que tem pro almoço ô garoto se vira anda logo pega um
biscoito aí dentro do armário parece estar se rachando mais forte com força viril
animal estranhamente humana húmus em terra em noz misturando carne pele sangue
arenitos nozes para o bolo tradicional da noite natalina no ambiente familiar
agradável quero mesmo triturar quero muito mesmo porque mas naquela loja a
roupa não estava na promoção vi a mesma roupa em outra loja mais barato que
absurdo já veio a fatura do mês merda de brinquedinhos que tive que comprar pra
essas crianças que não fazem nada o ano todo aumenta o suor seu rosto pingando
indo para a boca entreaberta não sentimos sede apesar do sol das onze horas da
manhã de dezembro plena sexta quando deveria estar à beira da praia tomando
minha cervejinha me jogando no mar pedindo as bênçãos tirando todo fardo de mim
com a água salgada mas não isso não posso porque o bolo deve estar pronto para
quando chegarem porque se não estiver irão perguntar cadê o seu delicioso bolo
de nozes ficarão espantados quando mandar todos à merda se foda esse bolo de
merda de areia misturada sangue dos meus dedos nossos triturando mais nozes
quase todo o saco que comprou ontem no mercadinho da esquina animal suando
olhos inflamados o garoto não voltou a perguntar pelo almoço se dane a hora do
almoço batendo no chão com o martelinho movimento máximo da mais pura
manifestação martela agora as paredes da varanda ficaria melhor assim repete
mais vezes o filho ouve o barulho corre para ver ela corre atrás dele se tranca
no banheiro não mãe não faz isso por favor cala a boca merda quebra os vidros
da sala tritura os restos de nozes que tinham se espalhado pelo bater
desenfreado não queremos mais parar as marteladinhas não mais desejamos deixar
unidas as coisas mas separar destruir os pratinhos que os familiares irão
trazer esta noite serão deliciosos titia o frango assado meu avô o velho vinho
tinto tudo perfeitinho e lá vai mais uma noz parar longe havia errado a mira
sentimos o estômago doer a cabeça um tanto corre até a cozinha para pegarmos a
vassoura juntaremos todos os cacos e nozes e sangue e pele e areia e concreto
depois do almoço e do cochilo irá preparar como há mais de vinte e cinco anos
Gabriel Sant’Ana
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