sábado, 1 de novembro de 2014

Apontamentos de uma viagem de ônibus

Caxias-Pau Ferro. Rio Card. Escolha da passagem. Toque do dispositivo. Aproxima o cartão. Roleta liberada. Esparsos assentos vagos. Promessa de viagem tranquila. Janelas abertas até o permitido, vento abafado.

Ponto próximo à estação de metrô. Duas amigas entram. Rio Card. Escolha da passagem. Toque do dispositivo. Aproxima o cartão. Roleta liberada. Não há assentos vagos. Promessa de viagem apertada. Janelas ainda abertas.

Como fizesse calor e motivada pelo habitual costume, vestia uma das amigas (Nanciele) uma roupa que parecia short e blusa, vestido, estampas de flores, roxa, conformando-se ao volumoso corpo mal distribuído. Seguíamos o mesmo destino. E o acaso quis que o desejo da mulher fosse parar ao meu lado, segurando-se com suas mãos grossas e, provavelmente, untadas com creme hidratante da promoção, no ferro do ônibus, esforçando-se para não cair, dolorosamente se percebiam músculos e gorduras num movimento acoplado à velocidade feérica. Cabelos banhados encaracolando-se ao dulcíssimo creme cheiro de chocolate, creme, coco, intensidade brilhosa de um recém banho frio. Unhas estilizadas, exemplo vivo da maestria do que ensinará a futuras colegas de profissão.

Minutos de conversa se prolongando, desce o carnudo braço e apoia as mãos no apoio do braço do assento, aproxima-se mais de mim, barriga-braço. Absurda fagocitose da minha perna, do meu cotovelo, do corredor do ônibus. Ao outro extremo, suas avantajadas nádegas ingeriam o braço de uma mulher que segurava seu filho de 2 anos (Dudu). Quente pele levemente protegida pelo fino tecido colava-se a meu ombro. Seu suor escorrendo até minhas pernas, por dentro da minha jeans. A outra amiga (Joana) continuava dando gás à conversa, prometia-lhe vantagens monetárias e alimentares no futuro curso. Prolongada gargalhada ecoa por todo o espaço. Nanciele ficando mais eufórica, cada vez mais rápido saía o que se pode chamar de palavras, saliva expelindo-se em direção ao rosto de Joana.

Aproxima-se Caxias.

Dudu, sua mãe, eu, Joana, outros passageiros mais à frente, ferros superiores, cordinha da cigarra, laterais dos assentos, exceto motorista e cobrador, nos confundíamos, alguns nos braços, outra na nádega direita, Joana na boca, Dudu no meio das nádegas, sua mãe nas costas.

Saídos do ônibus, separaram-se os corpos levando consigo simultaneamente alheias partes.


Gabriel Sant'Ana

Praça dos sobreviventes

Saindo do portão gradeado e alto da escola, há uma praça que fica em frente, a uns dois metros, de uma igreja que abre às seis da manhã, cu...