sábado, 29 de dezembro de 2012

Da arte de amar

Talvez seja necessário, melhor, é um dever agora tirar todos os pelos do corpo, principalmente os do peito, para que um aspecto de um macaco?

Também é importante ter o corpo banhado com os melhores perfumes. 

Sobrancelha feita é sinal de cuidado, limpeza, vaidade.

Sapatos limpos, engraxados, brilhando.

Nada se compara com a chave de um carro ou de uma moto (que maravilha!).

De que adianta fazer versos bem rimados, rimas ricas, paralelismos sintáticos, se não pode dar segurança e conforto ao seu objeto de amor?

(É necessário fazer uma releitura ao contrário da Ars de Ovídio)

Nada de lugares comuns na sua retórica da pegação.

Um dos melhores lugares é, vejamos um exemplo, o Barra Music, ou por aqui no subúrbio o Sete Linhas.

Chã, chão, chão! Desce e sobe!

E você acompanha o ritmo encantador.

Palavras úteis para o momento? Nenhuma!

Bastam 3 latinhas de cerveja, a música alta do funk da hora e lá vai sua mão tocar aquele maravilhoso corpo seminu que se mostra rebolando até o chão, num sobe e desce frenético. Basta acompanhar a dança e lançar mão do maravilhoso imperativo vem!

Vendo a chave do carro, o sorriso encantador, já foi!


Gabriel Sant'Ana

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Sinopse para o livro "Meu táxi, um divã" de Paulo Cesar


Antes de abrir o livro, o leitor se indaga sobre o motivo do título. Será que o autor tratará de temas ligados à psicologia, psiquiatria, casos clínicos? Terá o autor trazido alguma ideia, algum conceito, explicação através de uma metáfora do exercício de seu trabalho? Nada disso.
O leitor irá embarcar, junto com as personagens destas crônicas, no táxi do Paulo Cesar, viverá cada situação narrada por cada uma delas, talvez até se encontre em algumas das várias peripécias – quem nunca teve um acesso de raiva? Quem nunca quis se dar bem em algum momento da vida? Uma infinidade de acontecimentos, que nos são tão comuns...
Não só entraremos e viveremos cada narrativa, mas seremos levados ao destino tão almejado por cada personagem – não digo sua casa ou trabalho, mas uma possível solução para seus problemas, aflições. Se muitos costumam ir a psicólogos ou conversar com algum amigo, seja em casa ou no bar, para desabafarem; neste livro encontramos um lugar também propício a uma boa conversa, um lugar em que muitos expõem ao taxista o que sentem, o que lhes aflige; muitos mostram o que são.
Uma mulher, esbaforida, corre em direção ao táxi. Rápido, que está quase na hora de o marido chegar. Ambos trabalham no mesmo lugar. Ela ficou altas horas no forró da Feira de São Cristóvão. Que situação quando vê o marido na porta do prédio!
Diálogos rápidos e vivos, situações corriqueiras, engraçadas, e tristes também, argumentação arguta do taxista, pessoas que, por minutos breves no táxi ou no engarrafamento, refletem sobre a provocação do Paulo...
Enfim chego ao meu destino, não posso apresentar todo o livro nem segurar o trânsito da leitura...
Um proveitoso passeio!

Gabriel Sant’Ana

sábado, 22 de dezembro de 2012

(Outra vez bolo de nozes)


insistentemente bate com o martelinho a noz para fazer o esperado bolo de nozes deste natal com nosso punho fortemente mãos seguras firmemente estraçalhando em miúdos pedaços as nozes repete as batidas em agressividade crescente constantemente daqui algumas horas virão nossa sogra nossos sobrinhos com seus sorrisinhos felizes de uma felicidade oca e transparente seus presentes empacotados tão belos quebrando minha expectativa porque não irei ganhar aquela roupa que vi na loja quando estava em madureira hoje mais cedo porque não fica bem para tac tac rude esfrangalhar nossos dedos mais vermelhos palmas das mãos avermelhando no martelo alguns pedaços vão para longe no chão do lado de fora da casa tô com fome mãe vem logo o que tem pro almoço ô garoto se vira anda logo pega um biscoito aí dentro do armário parece estar se rachando mais forte com força viril animal estranhamente humana húmus em terra em noz misturando carne pele sangue arenitos nozes para o bolo tradicional da noite natalina no ambiente familiar agradável quero mesmo triturar quero muito mesmo porque mas naquela loja a roupa não estava na promoção vi a mesma roupa em outra loja mais barato que absurdo já veio a fatura do mês merda de brinquedinhos que tive que comprar pra essas crianças que não fazem nada o ano todo aumenta o suor seu rosto pingando indo para a boca entreaberta não sentimos sede apesar do sol das onze horas da manhã de dezembro plena sexta quando deveria estar à beira da praia tomando minha cervejinha me jogando no mar pedindo as bênçãos tirando todo fardo de mim com a água salgada mas não isso não posso porque o bolo deve estar pronto para quando chegarem porque se não estiver irão perguntar cadê o seu delicioso bolo de nozes ficarão espantados quando mandar todos à merda se foda esse bolo de merda de areia misturada sangue dos meus dedos nossos triturando mais nozes quase todo o saco que comprou ontem no mercadinho da esquina animal suando olhos inflamados o garoto não voltou a perguntar pelo almoço se dane a hora do almoço batendo no chão com o martelinho movimento máximo da mais pura manifestação martela agora as paredes da varanda ficaria melhor assim repete mais vezes o filho ouve o barulho corre para ver ela corre atrás dele se tranca no banheiro não mãe não faz isso por favor cala a boca merda quebra os vidros da sala tritura os restos de nozes que tinham se espalhado pelo bater desenfreado não queremos mais parar as marteladinhas não mais desejamos deixar unidas as coisas mas separar destruir os pratinhos que os familiares irão trazer esta noite serão deliciosos titia o frango assado meu avô o velho vinho tinto tudo perfeitinho e lá vai mais uma noz parar longe havia errado a mira sentimos o estômago doer a cabeça um tanto corre até a cozinha para pegarmos a vassoura juntaremos todos os cacos e nozes e sangue e pele e areia e concreto depois do almoço e do cochilo irá preparar como há mais de vinte e cinco anos


Gabriel Sant’Ana

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Patinação no gelo


Completamente fora de controle rodopiando na pista de patinação no gelo, a felicidade contagiante estampava-se e se irradiava pelos seus olhos, seus lábios. Patinava ora rápida ora vagarosa. Aquela gostosa sensação do vento sobre seu rosto, espalhando seu cabelo para os lados. Sua mãe a fotografava feliz, não perdia um movimento sequer, seu dedo atento aos rápidos instantes da curva da filha, cliques rápidos. E lá está uma boa imagem capturada! Magnífico!
Foi o minuto de procurar alguma coisa na bolsa para perder o triste momento da queda da filha. Como não foi o suficiente responsável para estar atenta à filha?
Parece ter torcido o pé, ou algo do gênero. Lágrimas escorrem de seu belo rosto, seus lábios tremem e sua língua produz um som pavoroso, todos ali param a sua prazerosa brincadeira, ficam paralisados diante da cena.
Não foi suficientemente responsável, não foi fiel à promessa que fizera a si mesma de em todos os momentos de alegria, tristeza, dor, estar com a câmera direcionada ao fato e capturá-lo, guardar para a recordação.
Assim começara quando pariu a filha, fez que o marido entrasse na sala de parto para filmar tudo desde o início, que não saísse sequer para ir ao banheiro. Filmou e fotografou os primeiros passos, a primeira papinha, o primeiro espirro, a primeira fraldinha suja, as primeiras dores de barriga, as quedas na escada, a festa de quinze anos, de dezoito, de vinte e um, os beijos com o namorado na sala da casa, a filha cochilando no sofá, a filha tomando banho, fazendo suas necessidades.
Já tinha mais de cem álbuns de fotos, mais de duzentos vídeos da filha. Todas as quedas, todos os aniversários dela e de seus colegas, as festinhas da escola. As fotos da filha no jardim zoológico. Como foi linda aquela época. A filha debaixo de uma árvore, tomando água de coco, fazendo pose para a foto.
Mas pelo descuido de ir procurar na bolsa o pente, ou o celular que tocava. Que erro irreparável. Não, não. Mas você sabe como foi que a minha filha caiu? Nossa, foi terrível, ela estava vindo de costas e esbarrou naquela garotinha ali de blusa vermelha... Ah sim, obrigada.
A filha continua a cair em pranto. Alguns tentam acudi-la. Dói demais a perna. Foi uma queda brusca. A mãe invade correndo a pista de patinação. Todos ficam comovidos. De fato era muito cuidadosa aquela mãe. Abrem espaço para que ela possa ajudar a filha, fazê-la levantar-se. Minha filha, ande logo, pare com isso, já já a gente vai resolver isso, mas se levanta logo desse chão, sua querida e zelosa mãe não conseguiu fotografar nem filmar o instante em que você caiu, anda logo, se levanta, eu quero que você se levante agora, anda, para de choros e seja obediente, se levante, foi só uma quedinha, se levanta e retorne ao lugar onde você estava antes de patinar de costas e esbarrar naquela menininha ali de blusa vermelha, ainda bem que ela não se machucou, imagina, uma menininha de cinco anos toda quebrada, anda logo, ei moço, vem aqui, é, vem aqui, levanta a minha filha, estão olhando o que, isso, levanta, com cuidado meu amorzinho, anda minha filhinha, isso, que lindinha, sua mãezinha vai voltar pra lá e filmar tudinho do jeito que foi, não fica assim não, depois nós vamos fazer um lanchinho, deixa que eu pago, não precisa gastar a sua mesada, pronto, pronto.
Ela retorna ao local privilegiado em que daqui alguns minutos irá filmar com o máximo de perfeição o momento exato da queda, apesar de ser uma repetição, mas tudo sairá do jeito que foi há cinco minutos atrás, assim deve ser. Anda logo minha filha, pode começar. Todos se sentem também, de alguma forma, obrigados a retornarem às posições em que estavam naquele momento. Movidos pelos gritos e ordens daquela mãe refazem os movimentos, os giros, a filha machucada, dolorida, algumas lágrimas nos olhos e baixos gritinhos, refaz o caminho, esforça-se para patinar de costas, a mãe lhe grita que mude a feição, que não aparente dor alguma, a filha esboça um sofrido sorriso, ficou bem, continua a patinar de costas, a menininha de blusa vermelha patina mais rápido em direção à filha, assim que aconteceu, a menininha patinava sem prestar atenção às pessoas que vinham em sua direção.
Magnífico. Não tão perfeito como deveria ter sido. Mas se gravou. Agravaram-se as dores, intensificaram-se os gritos e choros e lágrimas. Não chore tanto assim, anda logo, vamos agora fazer um lanche e depois eu te levo no médico, ficou ótimo, meu amor, ótimo, lindo, você já devia estar acostumada com essas coisas, é assim essa vida, eu hein, não se lembra daquela vez no clube, que você levou uma bolada no jogo de vôlei e que eu não consegui filmar porque eu estava comprando uma garrafinha d’água, então, o que eu fiz para você não perder aquele momento, para ele não ser esquecido, então, viu, é tudo para o seu bem, meu amor, mamãe te ama muito, viu, vamos lá, comer aquele delicioso hambúrguer...

Gabriel Sant'Ana

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

De como se estrutura em narrativa um copo d’água, uma carta antiga não aberta e um banco de praça coordenados

Alisa a folha nova sentindo sua brancura, sua lisa textura, sentindo a prazerosa angústia de ter, não sabendo de que maneira, de corromper com seu vernáculo as brancas e intactas páginas com alguma historieta.
De fato precisava escrever a uma amiga sua, há muito lhe prometera notícias e novidades se houvesse; como não vinham, postergava a tarefa. E assim se passaram quinze anos sem uma linha escrita no caderno que especialmente comprara para aquilo.
Na verdade a brancura da folha era de uma brancura amarelecida pelo tempo em que fechadas ficaram entre muitos livros empoeirados e roídos na sua estante. Hoje, sem razão ou motivo conhecido, decidira ler um deles e acabara se dando conta do caderno.
Alisando ainda as folhas fica imaginando, pensando em como sua amiga deveria estar, se acabara se casando, se sucedera o que ouvira de um de seus amigos.
Já tinha escrito no envelope em que colocaria a carta por escrever.

Seria muito difícil para mim, depois de tanto tempo omisso e escondido, aparecer à porta de sua casa sem motivos ou explicações.
Neste momento lhe escrevo com as mais doloridas angústias de um ressentimento infantil.
Mas estas palavras nunca hão de ser lidas ainda que as escreva.
Por mais de vinte anos esperei pela exata hora em que estas folhas se envelhecessem a tal ponto que parecessem de um tempo em que realmente fui feliz, que parecesse que fora comprado para que eu lhe escrevesse poemas quando fosse seu aniversário ou, todos os dias, arrancando uma folha lhe deixasse recadinhos amorosos e apaixonados, mesmo um bom dia, te amo!.

Suas pernas se agitam e seus olhos se umedecem quanto mais se relembra da época em que estavam juntos, em que eram felizes. Levanta-se do banco para beber água, talvez assim se acalmasse um pouco.

Mas quando você decidiu ir, todos os dias eu voltava àquele nosso especial lugar, me sentava naquele mesmo banco da praça onde nos encontrávamos e discutíamos bobagens de literatura e criticávamos nossos próprios contos e poemas, ridículos poemas, ridículos contos mal escritos, e nos achávamos escritores...

Suspende o fluxo da escrita e manda uma mensagem para o celular da amiga.

Já comecei.

Mas ainda que doloroso, tínhamos feito nossa escolha em comum acordo, em lágrimas mútuas

Parou de escrever sem ter colocado o ponto final. Decidiram que não terminariam com uma pontuação sequer.

Terminei. Amanhã chegará.

Quando ela recebeu a primeira mensagem, ao ouvir o celular tocar, já esperava ser dele. Arrumou-se. Bebeu um copo d’água no mesmo instante que ele e foi para uma praça que distava poucos metros de sua casa.
Tanto tempo que viveram juntos foi formando neles um hábito comum de atitudes e pensamentos, hábitos e manias.
Leva consigo o copo d’água para a praça onde ficaria esperando pela carta.

Dobrou a missiva e pôs dentro do envelope. Colou.

(em letras pequenas para caber no espaço)
Querida, eis a carta que deixei por envelhecer e que recebes e que não deves abrir. O que nela está já sabes de cor.
Deves como de costume pegar um copo, enchê-lo de água e ir até a praça do teu bairro. Lá chegando sentes no primeiro banco que vires, beba a água de forma a te engasgares. (leva contigo isto). Também eu farei o mesmo.
De forma que engasgados nos encontraremos


[Dados 3 elementos em que um não se sobressaia ao segundo nem este ao terceiro nem este ao primeiro. Relação paratática.
E 1 = carta antiga que não foi aberta; E 2 = copo d’água; E 3 = banco de uma praça
Estes numa relação que gera um resultado Y que deve ser estranho.
Estranho – evento que foge à naturalidade das coisas reais e pragmáticas.
Y perpassa gradativamente ascendente toda a narrativa.]

Gabriel Sant'Ana

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Árvore de Natal


Como isso começou? Ah... fico um pouco envergonhada... foi algo muito particular, muito íntimo... Mas vou tentar explicar os pormenores à medida que for me lembrando dos eventos, dos motivos, das pessoas, enfim, de quase tudo; e mesmo que me lembre de tudo, acho que não seria totalmente certo ou real, pois é impossível resgatar com toda fidelidade os fatos que ocorreram em um momento específico, impossível fazer com que ele se apresente tal como aconteceu; nossas memórias e linguagem apenas indicam um fato de acordo com o que achamos ter sido.
Mas vamos atrás.
Sempre gostei, adorei a festa de Natal. Aquelas luzes, aquelas cores, aquela sensação incomparável de um clima ameno, uma tranquilidade típica da cena do presépio, algo tanto quanto bucólico.
Todos os anos, arrumávamos nossa casa, ajudava minha mãe nos preparativos, na cozinha, na arrumação da casa.
Cresci com esse costume.
Mas algo me foi tomando conta, uma vontade cada vez mais constante de arrumar não só minha casa, mas também as dos vizinhos, todo o prédio. Não acham que estou correta? Que nessa época tudo deve estar brilhante e belo para celebrar o nascimento do Cristo? Por que um prédio tão tradicional e antigo desta rua deveria estar nesta data tão morto e apagado?
Alguns concordaram. Outros ficaram sem nada dizer. Quatro pessoas me ajudaram a arrumar a frente do prédio. Acabou faltando algumas guirlandas, alguns pisca-piscas...
Mesmo assim não esmorecemos, tudo se nos põe à prova e não desisto em casos assim. Estava decidida a conquistar mais pessoas daquele prédio.
Todos os dias, deixava mensagens dentro das caixas de correspondência, mensagens bem escritas dizendo os motivos de arrumar o prédio e dentro de cada apartamento, demonstrei cada proposta, eram argumentos a que ninguém tinha um contra.
Aos poucos foram cedendo. Já estava certa disso.
E ficava umas três ou quatro semanas ajeitando, preparando os apartamentos de cada vizinho para o Natal. As árvores, os presépios, a mesa da ceia, as roupas novas que vestiriam à noite, a arrumação dos armários, a limpeza de cada cômodo, tudo eu fazia para estar à altura daquela noite tão especial.
Não só isso. A cada criança e adolescente eu dava aulas de etiqueta, explicava a história daquela festividade. Educava, enfim, retirando todo mau hábito. Com os adultos eu fazia quando estava no seu apartamento, durante os preparativos, conversava delicadamente sobre as mais altas razões de se preparar para a noite. Difíceis eram os mais idosos, não todos, mas aqueles que não tinham seus parentes, filhos, netos por perto, seja qual fosse o motivo. Mas com minhas palavras e as técnicas necessárias, conseguia convencê-los.
De fato consegui todo o prédio. Mas falta mais. As casas e outros prédios da minha rua, alguns deles não têm esse costume. Isso me deixa muito infeliz.
Amanhã irei até lá.

Gabriel Sant’Ana

Praça dos sobreviventes

Saindo do portão gradeado e alto da escola, há uma praça que fica em frente, a uns dois metros, de uma igreja que abre às seis da manhã, cu...