terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Volte sempre!

Esperava sentado o pedido. Novamente vinham à mente aquelas preocupações. Quanta demora... Três televisões a sua frente. Nenhuma em um canal interessante ou que fizesse alguma distração. Duas mostravam o conteúdo do dia seguinte de um canal. Uma invadia as retinas dos clientes com os produtos que o estabelecimento vendia. Rosquinhas de chocolate suculentas, apetitosas, transbordando o recheio de baunilha; sucos de frutas refrescantes, gelados, espumantes, com canudinhos na taça, também gelada; pizzas de vários sabores, quentinhas, aquele cheiro de queijo e orégano e cebola saindo pelo televisor; um delicioso frango a passarinho, no ponto, com molho e farofa, saindo da brasa naquele momento; uma deliciosa e bem gelada cerveja, amarelinha, saborosa, descendo pela garganta que acabara de engolir aquele frango.

Por breves cinco minutos, ficou extasiado e fixo na tela. Já se passaram mais de trinta minutos, e nada do pedido.

Agora apareciam nas três telas as promoções tentadoras. Todos os clientes, apesar das conversas, das gargalhadas escandalosas de uma tia, da correria das crianças, das preocupações de como pagariam a conta, todos tinham de uma maneira ou outra os olhos virados para as televisões.

Ei! Garçom, faz meia hora que fiz meu pedido, e nada! Senhor, já está sendo feito e daqui a poucos minutos estará em sua mesa, desculpe a demora...

Os outros clientes pediam cada vez mais, e eram atendidos.

Nas telas a mesma programação dos parágrafos anteriores, assim como a mesma reação dos clientes. Apesar de estar irritado com a demora do pedido, deixa-se levar pelas imagens, chega a sentir reais todas elas. Mais do que isso, seu organismo sente que está ingerindo todos os produtos que invadem seus olhos e sua mente.

Obrigado pela preferência! Volte sempre! Era o que neste momento nas três televisões passava. Instantaneamente, sem pensar, levanta-se da mesa e sai.

Gabriel Sant`Ana


segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Depois do jantar, na cama



I


Depois do jantar, deitou-se na cama. O corpo estava mais pesado que os pensamentos. Um cansaço estranho dominava seus músculos, impedindo-o de coçar suas pernas.

A mosca zumbia irritantemente em seus ouvidos, mas não conseguiu levantar o braço para afastá-la.

A casa estava impecavelmente limpa, não havia razão de uma mosca na casa. Não comera em casa, o fogão estava sem panela alguma, na geladeira nenhum peixe, nenhuma carne.

Ziguezagueava zombando de sua incapacidade física para levantar-se e matá-la.


II


Entraram mais duas moscas no quarto. Continuava com o corpo pesando demais. Escurecia e aumentava o calor. A janela estava fechada. As moscas haviam entrado pelo banheiro. Nenhuma corrente de ar passava pela casa. Começava a suar. Estava de calça jeans e blusa polo preta.

Parecia que as moscas acasalavam.


III


Estava encharcado. O suor salgado escorria pelo seu rosto e percorria o caminho traçado pelas marcas de expressão. Já fazia uma pequena poça salgada nas bochechas.

Não conseguia pensar em nada. Os zumbidos das moscas e o seu acasalamento era insuportável, aterrorizante, obsceno, escatológico.

Uma das moscas pousou no retrato de uma amiga, que estava na mesinha no canto do quarto. Mexia as patinhas como se estivesse saboreando a pele da mulher.


IV

As moscas depositaram suas larvas nos seus olhos, na boca, nos ouvidos. Sugavam obsessivamente sua pele e seu suor.


Gabriel Sant'Ana


Praça dos sobreviventes

Saindo do portão gradeado e alto da escola, há uma praça que fica em frente, a uns dois metros, de uma igreja que abre às seis da manhã, cu...