sexta-feira, 25 de maio de 2012

Momento de espera


Era nas sombras de uma imensa árvore que o sopro se fez mais forte e o derrubou na relva para seu próprio infortúnio. Talvez assim dissesse o parágrafo.
Talvez, porque foi interrompido e não o concluiu para angústia de um viajante.
Mas no princípio estava em uma fila do supermercado, desesperado pelos muitos carrinhos a sua frente, pelo horário que não seria obedecido, e se lembra de que faltava apenas um pacote de macarrão e pede para alguém guardar seu lugar.
Apressado se encaminha para o corredor das massas. Seria melhor não nas sombras, risca isso na mente, depois quando estiver em casa. Mas não era esse o corredor das massas? Será então que teria se desviado para a esquerda, e o tal lugar era para a direita?
- Poderia me dizer para onde fica o macarrão?
- Claro! Segue em frente e quando chegar na padaria vire à esquerda. Não tem erro.
- Obrigado...
Não corre para não parecer perdido ou que não desconfiem dele.
O sopro penetra-lhe os ouvidos e uma tontura toma conta de seu corpo, deixando-o perdido no caminho de volta para sua terra.
Faz o caminho ensinado pela pessoa. Chega ao destino. Mas que macarrão levar? São todos iguais, apesar das marcas e dos preços. São todos iguais? Para seu próprio infortúnio.
Não se decide. Não sabe tomar decisão. Não quis atender o celular.
As pessoas na fila estão nervosas porque o estão esperando. Todas as filas não andam. Todos parados.
O momento da espera, o momento em que tudo está estático na criação, aguardando a palavra. E quando ela for pronunciada tudo se resolve e no final apenas uma frase que conclua.
Sua mulher o esperava dentro do carro à sombra de uma imensa árvore e o sopro se fez mais forte penetrando-lhe o peito e extraindo-lhe a respiração, é derrubada. Ele se demorava minutos e minutos na escolha de um macarrão que não será feito para a janta do casal que não mais existe, demorava-se na escolha das palavras de um livro na metade que deixará de ser feito. Percebe que no celular há uma ligação perdida (da mulher). Era o sétimo dia da semana.


Gabriel Sant'Ana

terça-feira, 15 de maio de 2012

Lendo jornal


Caminhava olhando para seus pés pisando o chão. O caminho para casa já chegando ao fim.
Quem sabe.
Um papel, talvez jornal rasgado no chão. Deve pegá-lo ou continuar sua trajetória? Morre atropelado pela bicicleta do próprio filho pai que tentava protegê-lo do cachorro. Parece interessante a notícia. Já se curva um pouco em direção ao jornal. Os olhos se perdem na frase. Ela o instigava a pegar para ler o restante da notícia que era absurda.
Mas faltam apenas alguns metros para pôr os pés em casa, tomar um banho, descansar do dia, jantar. O cachorro soltara-se. Não mais suportaria ficar sem saber o que havia acontecido ao pai da criança. Mas.
Aquela curiosidade de chegar ao fim de uma manchete, de uma notícia absurda, de uma história. A hora da novela. da coleira de uma mulher. Poderia ver pelo Youtube o episódio mais tarde, alguém colocaria o vídeo depois. O cão, vendo que Pedro (5) pedalava a bicicleta.
Mas como a mulher não conseguiu segurar o cachorro? A fome já sobressaía. Uma pequena dor de cabeça já se fazia sentir. No dia seguinte teria de se levantar mais cedo. , correu latindo e babando, assustando o menino que pedalou depressa. Seu pai, sentado na varanda de casa, viu a cena e, tomado de pânico, correu para a calçada, mas não viu que seu filho já tinha perdido o controle da bicicleta o que acarretou uma forte colisão, sendo o pai arremessado alguns metros de distância. Os vizinhos conseguiram capturar o cachorro e ligaram para os bombeiros, que demoraram cinco horas para chegar ao local, devido a um enorme congestionamento na avenida principal daquele bairro, pois um caminhão chocara-se com um carro que havia parado bruscamente seu trajeto para troca do pneu. Nenhum dos que estavam ali socorreu João (pai de Pedro). Chegando os bombeiros, levaram-no ao hospital geral do município. Causa mortis incerta. Agora Pedro será ouvido pela polícia e logo depois será conduzido aos cuidados da dona do cachorro que irá adotá-lo, pois o menino não tem mãe e outros parentes não se interessaram por ele. Me sinto agora responsável por ele, como deixá-lo sozinho neste mundo? E depois desse evento terrível, meu cão simpatizou com o menino – afirma Márcia, dona do cachorro. O estado encaminhou Pedro a um psicólogo, para acompanhamento.
Agora não há mais tempo. Não há salvação para este incerto transeunte que parou seu certo destino para, por alguns minutos, acompanhar um relato de um jornal do século passado, que, não se sabe como, estava ali a sua espera. Certamente estava.
Se não fosse um jornal, mas um bilhete, ou qualquer outra coisa, ele iria se sentir obrigado a curvar-se, olhar atentamente o dado objeto, curvar-se um pouco mais, estender os braços, tomá-lo com as mãos e, por alguns minutos, ler o escrito.
Não há mais salvação para essa pessoa, pois, de fato, sem ter percebido, há alguém do outro lado da rua que, minuciosamente, o transforma em personagem de uma futura história, um poema, crônica, talvez um conto que rapidamente à caneta em seu rascunho assim começa.


Gabriel Sant'Ana

Borboleta amarela pousada na janela


*
Júlio Canequinha Azul, é, gosto muito dessa caneca, minha mãe que me deu, então Júlio Canequinha Azul você sabe o que é isso, ué isso aí é um fósforo, mas eu não fumo não, todos eles aqui ficam fumando e jogando fumaça na minha cara, eu odeio falo que vô bater neles mas eles continuam jogando fumaça e eu saio correndo gritando aí me amarram e me dão injeção, você sabe o que é isso mesmo, já disse que é um fósforo tá surdo, sabe pra que serve isso, claro que sei minha mãe usa muito fósforo mas ela não fuma não, papai morreu porque fumava muito, ela usa pra ligar o fogão pra fazer comida pra mim ela sempre traz quentinho pra mim bife com macarrão amanhã ela vem e eu te dô um pouco, muito bem mas vou te dizer pra que realmente serve isso, você gosta da cor azul, mas tem uma cor muito mais bonita e poderosa e essa vai ser a sua cor porque vou te ensinar um mistério um segredo, minha mãe sempre me conta coisas misteriosas ela joga cartas pras pessoas e pra mim também ela diz que tudo vai passar é só eu ficar calmo que tudo vai passar, então vou te ensinar uma coisa, o sol é o mais poderoso de tudo o que existe, sabe por quê, ué... qual é a cor do sol júlio, é amarelo, isso mesmo o amarelo é mais poderoso que tudo, o ouro é amarelo é poderoso todos querem isso todos você principalmente porque você quer acabar com esses que ficam jogando fumaça na sua cara porque você que sair logo daqui e ficar com a sua mãe tô errado, não... você tá certo, mas não é qualquer amarelo... tem que ser amarelo-fogo que aí junta o poder do amarelo com o poder do fogo... vou te ensinar como é, olha só, tschi tschiii... viu está queimando, toma tenta você, devagar e rápido ao mesmo tempo, cuidado pra não quebrar, tschi tschi tschiii, é é bonito quente mesmo caraca vô contar pra minha mãe amanhã, não não faz isso ela não vai gostar disso e todo segredo deve ficar em segredo, ninguém deve saber, esse é o nosso segredo, agora você não é mais júlio canequinha azul é agora Júlio Cor de Fogo, gostei mesmo Júlio Cor de Fogo, hehehe... mas olha não fala isso pra todo mundo não porque não vão acreditar em você vão perguntar como é isso porque você não tem essa cor, como é que vô ter essa cor... isso já é um outro segredo que depois vou te explicar agora tenho que ir senão vão me demitir... cor de fogo tenho cor de fogo júlio cor de fogo mamãe vai gostar de saber isso depois vô contar isso pra ela fogo poderoso hehehe fogo cor de fogo hehehe, rodopia no meio do pátio, roda roda roda, cor de fogo cor de fogo, gira, gira, gira mais rápido, fogo fogo no vento roda................... ei seu idiota vá logo pro refeitório já está na hora do almoço, é almoço tô com fome, anda logo

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é...não aparentou melhora (lendo os últimos relatórios feitos pelo enfermeiro)... temos de forçá-lo a tomar os comprimidos, amarrá-lo... ultimamente, tem ficado isolado dos outros, anda cabisbaixo... parece que vamos precisar de três anos, talvez mais, depende muito de como ele se comportar... não precisa ficar assim, estamos fazendo o máximo para que ele logo se recupere e sua vinda aqui ajuda, e muito, à melhora dele... bem, por enquanto é isso, agora acompanhe esse enfermeiro, ele tem acompanhado de perto o júlio, eu mesmo providenciei que a direção deixasse um enfermeiro especificamente pra ele...

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trouxe pra mim o fósforo... ainda não arrumô... ô canequinha tá difícil de arrumar essas coisas... eles acendem os cigarros pra gente... mas você já foi lá na cozinha, não chega perto de mim não... fogo fogo... esses remédios tão mexendo contigo canequinha... mas vô vê se arrumo sim, ué... e aquele cara que fica com você... vê se ele te arruma, ou então a sua mãe, não fode mais meu juízo...
preciso... sô de fogo... tão bonito o amarelo dele... como o sol... quem disse isso pra você, você é de escuridão de sombras... não não sô da luz de fogo mentira sua mentira não quero mais ouvir chega...xiiiiiiiiiiiii xiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii.... (batendo a cabeça no chão do pátio) dez homens correndo para detê-lo, o médico com a seringa, amarram-no, não aceitando, xiiiiiiiiiiiii xiiiiiiiiiiiiii mentira mentira não machuca não machuca aaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaa.... trancafiam-no na solitária

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o que você fez júlio, eu disse que ia pegar um copo d’água e você fez isso, pra que, foi ela... essa maldita borboleta... não sei como ela chegou de onde veio... ela foi dizendo que eu era de sombras que eu não era de fogo... ela me deixou assim com raiva... minha cabeça doía com o que ela falava... tudo ficou doendo... aí eles vieram e me amarraram eu não pude mais levantar a minha cabeça eles eram muito fortes prenderam meu pescoço minhas pernas... mas ela continuava falando... hoje é que ela ainda não apareceu... então júlio, trouxe pra você se proteger dela caso ela volte

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não posso gastar tudo... é muito bonito e quente... tschiii... é... você está vendo está vendo só eu disse pra você quer ver só aqui ó ó só o meu pé ó hehehehehe tá vendo subindo maldita agora você vai ver só hahaha xiiiiiiii cala a boca vê que tá subindo não ó olha aí do seu lado aí na estante tá vendo como meu braço é de luz de fogo é é desgraçada tá vendo como o quarto tá cheio de luz sua idiota.... hehehehe sô de fogo sim aqui ó cuspo fogo hahaha subo pro sol hahaha viu.......

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o 56 não apresentou melhoras e ainda tocou fogo em si mesmo, providenciamos, segundo seu pedido, um enfermeiro que ficasse mais próximo dele, observando, mas de nada adiantou, e ainda me dizem um absurdo desses... mas estou lhe dizendo o enfermeiro está aqui e confirma o quarto dele foi lambido pelo fogo assim como alguns outros quartos próximos quando conseguimos fazer com que o fogo diminuísse entramos e só encontramos uma borboleta amarela pousada na janela... o enfermeiro está demitido e você que se explique com a polícia e com a mãe do 56 que está na sala de espera em prantos


Gabriel Sant’Ana

Praça dos sobreviventes

Saindo do portão gradeado e alto da escola, há uma praça que fica em frente, a uns dois metros, de uma igreja que abre às seis da manhã, cu...