domingo, 4 de outubro de 2015

às cinco e meia

Saio de casa às cinco e meia da manhã. Respiro o ar gelado. Caminho titubeando pela calçada que remete a um sexo rapidamente gozado. Respiro a calçada da manhã que se lembra dos ligeiros prazeres dos plásticos largados de bebida e sêmen. Vem em minha direção um carro com faróis apagados, sua buzina não emite ruídos, atravesso a rua e o carro passa ao lado deste corpo que atravessa.
Cinco e quarenta e ainda caminham pela calçada que se prolonga abaixo os pés. Calçados de um tênis que dura um mês, não sentem os desníveis do concreto pisado, cuspido, gozado, caído, amassado, cagado, estacionado, rebocado, se faz liso, afável às plantas endurecidas e gastas de vinte e seis anos pisados, caídos, rachados, inflamados. Sangram por dentro da meia. Suam de não se saberem livres. Respiram o ar mofado dentro da forma.
Sai da casa às cinco e meia do relógio que desperta às cinco. Respira o ar quente do cobertor. Caminha vagueando pelo espaço semidesperto dos olhos grudados pela secreção matutina. Saboreia o dissabor da secura, da gosma grossa na garganta. Não emite sons.
A manhã desperta às cinco pelo relógio insone. Não é fria, não é quente. Não há calçada. Não há lembrança do gozar de ontem, do beber ontem. As anáforas ainda não foram produzidas. A ligeireza só acontece no entre dos segundos da passagem do ponteiro dos minutos consoante um mínimo de movimento do das horas. Preferiria não acordar. Preferiria não. Ele não prefere, apenas pontua cada minuto a menos, cada minuto possível.
Ver o carro é dos olhos despertos. Atravessar para o outro lado é das pernas dentro da calça jeans em aliança com os pés dentro das meias dentro do tênis.  O cobertor quente respira o ar que o nariz respira. A respiração respira o cobertor e o nariz simultaneamente à respiração do cobertor e do nariz. A calçada se ilumina pela luz vaga da manhã que se desperta por cada relógio que desperta em cada apartamento que agora se acende aos olhos que olham a calçada abaixo e os prédios acima que são vistos graças aos óculos colocados após a limpeza das secreções que se formaram durante o sono que surgiu sem saber como sem saber onde e que fez cair na cama que não estava com os lençóis limpos.

Gabriel Sant'Ana

Um comentário:

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