domingo, 4 de outubro de 2015

Praça dos sobreviventes

Saindo do portão gradeado e alto da escola, há uma praça que fica em frente, a uns dois metros, de uma igreja que abre às seis da manhã, cujo sino não toca mais. A praça está sendo revitalizada pela prefeitura que está revitalizando quase tudo. Plantam mudas de árvores, colocam brinquedos na praça. Novos bancos, novas mesas com tabuleiro pintado de xadrez fixo com peças indisponíveis.
Desculpe o incômodo.
Meio dia e meia. Sinal de evacuação. Impedem as crianças de brincar nos novos brinquedos, ainda não foi reinaugurada a Praça Vale das Amoreiras que receberá novo nome, Praça dos Sobreviventes, em homenagem a não se sabe que sobreviventes nem a que sobreviveram. 
As crianças são levadas por seus responsáveis a outra praça, distante da escola, distante da igreja cujo sino não se ouve mais. Não se ouve a gritaria das crianças na inexistente Praça Vale das Amoreiras. Desculpe o incômodo.
A escola foi vendida. Demolição.
Pombos e ratos e gatos e cães e indigentes e guardas municipais e manifestantes e grevistas e viciados e políticos e pombos e pipoqueiros e... e... a antiga Praça Vale das Amoreiras de onde não se ouve o sino que balança na torre da igreja de São Miguel, ainda não chamada Praça dos Sobreviventes, ainda com a placa que se desculpa por estar incomodando. As tintas já se borram com as constantes mudanças climáticas. Os brinquedos se desgastam pela promessa de uso que se posterga. Os bancos por não serem sentados. Matos crescem. Aquilo eram paredes da antiga escola. Aquilo eram as grades do portão, que foram levados para serem vendidos, levaram na madrugada, não há câmeras para se descobrir quem. Ainda permanece a placa.
Havia um ponto de ônibus na praça. Não vá para aquela região, estão roubando por ali, jogaram um corpo. Uma mulher foi abusada ali onde era aquela escola. Esculpe o incômodo. Um homem, há duas semanas, se matou com um tiro, sentado num dos bancos, dizem que trouxera as peças de xadrez, estava o jogo quase ao final, xeque. Grande mudança nas linhas de ônibus, novas obras por ali, não circulam carros. A antiga padaria sobrevive com a venda de cigarros e bebidas.
Há fotos da Praça Vale das Amoreiras, ainda não chamada Praça dos Sobreviventes, em que crianças brincam descalças, famílias sorriem olhando para as crianças que brincam descalças sem medo do tétano ou da torção. Ainda não pensavam na placa. O sino não tinha sido colocado na torre. Criam uma página com as fotos da antiga praça na rede social.


Gabriel Sant'Ana

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