Quente cubículo público. Odor de
cloro. Chão molhado. Primeiro a entrar naquele dia. Fecha a porta. Grande. Como
sendo reservado a cadeirantes.
De fato deveria ser assim para
todos os tipos de tamanho. Mas via que não caberia ali cadeirante algum.
Via apenas aquele espaço pequeno e
o buraco que salvaria o sufoco das contrações perturbadoras a que todos estão
sujeitos seja pela manhã, tarde, noite, madrugada, na hora do sexo, nos minutos
iniciais de uma prova de concurso, na igreja, no parto, nos parabéns, no
enterro. Desfivela o cinto, abre a bermuda, abaixa o zíper, retira a bermuda, a
cueca, a blusa polo azul. Coloca os pertences ao lado esquerdo; do outro, há a
lixeira. Agacha-se, é sabido ser perigoso sentar-se, o risco de uma doença
infecciosa, sustenta-se com as pernas, posição adorável de um penitente
resignado em expurgar seus pecados com um verdadeiro e puro sacrifício.
Interessante notar seu rosto
aflito, não por aqueles incômodos, mas de uma vexaminosa vergonha caso entre
ali alguém para usar o outro espaço para, talvez, já que é preciso estar atento
às chamadas dos servidores tão aplicados em distribuir senhas, lavar as mãos
sujas de segurar no ferro imundo de um ônibus lotado às cinco da manhã vindo da
Taquara, Freguesia, Cidade de Deus, Vila Valqueire.
Bastou entrar fechar a porta
retirar rápido a roupa jogar ao chão distante da lixeira agachar-se rapidamente
contraindo os músculos ir verificando abaixo de si caso algo escapasse pelas
bordas ou fosse pelas pernas ou nos pés observando contraindo a barriga
expelindo esguichando esvaindo saindo em jatos fortes constantes contra a água
borrando enegrecendo todos os cantos tomando o mal cheiro
indo a limpeza do
cloro sabão que antes o funcionário contratado salário atrasado havia feito
dedicado agradecendo em preces o trabalho digno não fazendo sequer um único
jato de mijo
mal cheiro fezes
líquidas: bem-estar aliviado do transtorno gerado pelo trabalho de digerir
pizza refrigerante cervejas churrasco torta bolo de aniversário do sobrinho
refrigerante pipoca hambúrguer docinho de coco brigadeiro refrigerante jujubas
salgadinhos saideira de cerveja pipoca pizza sorvete bolo docinhos
Desenrola um bom pedaço do papel.
Cinco, sete vezes. Nenhuma sensação estranha. Não haveria segunda vez naquela
manhã. Pega do chão as roupas, veste a cueca, a bermuda, sobe o zíper, fecha o
cinto, veste a blusa polo azul. Vira-se para trás. Não pensou no trabalho do
funcionário que mais cedo havia limpado aquele espaço. Pensou na vergonha, teve
pudor, receio, refletiu moralmente, não cairia bem outra pessoa em suas
necessidades encontrar para própria surpresa um verdadeiro esgoto de merda na
privada. Puxa a cordinha. Desce para sua própria salvação a merda líquida.
Menos mal. Se fosse merda dura,
empedrada, correria o risco de entupir o banheiro, causando mais dor de cabeça
e sofrimento, teria de procurar a sala da limpeza, do lado de fora, pedir por
gentileza trouxessem um balde ou um desentupidor para desobstruir não precisa
não se incomode ele mesmo faria isso porque ele mesmo que produziu aquela merda
não não que isso estamos apenas fazendo nosso serviço não se envergonhe todos
os dias desentupimos merda de banheiro limpamos vômito e muitas coisas deixe
disso é coisa comum então está certo obrigado pela ajuda muito obrigado mesmo
depois eu pago um cafezinho que isso homem não precisa mesmo então está bem
muito obrigado mesmo
Repete o habitual ato comum de dar
a descarga. Abre a porta. Lava as mãos.
Apressa-se em sair. Precisava
conseguir se consultar com o clínico geral, precisava fazer os exames de
rotina, conseguir encaminhamento para o otorrinolaringologista.
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