segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Desencontro na manhã de segunda


Quente cubículo público. Odor de cloro. Chão molhado. Primeiro a entrar naquele dia. Fecha a porta. Grande. Como sendo reservado a cadeirantes.
De fato deveria ser assim para todos os tipos de tamanho. Mas via que não caberia ali cadeirante algum.
Via apenas aquele espaço pequeno e o buraco que salvaria o sufoco das contrações perturbadoras a que todos estão sujeitos seja pela manhã, tarde, noite, madrugada, na hora do sexo, nos minutos iniciais de uma prova de concurso, na igreja, no parto, nos parabéns, no enterro. Desfivela o cinto, abre a bermuda, abaixa o zíper, retira a bermuda, a cueca, a blusa polo azul. Coloca os pertences ao lado esquerdo; do outro, há a lixeira. Agacha-se, é sabido ser perigoso sentar-se, o risco de uma doença infecciosa, sustenta-se com as pernas, posição adorável de um penitente resignado em expurgar seus pecados com um verdadeiro e puro sacrifício.
Interessante notar seu rosto aflito, não por aqueles incômodos, mas de uma vexaminosa vergonha caso entre ali alguém para usar o outro espaço para, talvez, já que é preciso estar atento às chamadas dos servidores tão aplicados em distribuir senhas, lavar as mãos sujas de segurar no ferro imundo de um ônibus lotado às cinco da manhã vindo da Taquara, Freguesia, Cidade de Deus, Vila Valqueire.
Bastou entrar fechar a porta retirar rápido a roupa jogar ao chão distante da lixeira agachar-se rapidamente contraindo os músculos ir verificando abaixo de si caso algo escapasse pelas bordas ou fosse pelas pernas ou nos pés observando contraindo a barriga expelindo esguichando esvaindo saindo em jatos fortes constantes contra a água borrando enegrecendo todos os cantos tomando o mal cheiro
indo a limpeza do cloro sabão que antes o funcionário contratado salário atrasado havia feito dedicado agradecendo em preces o trabalho digno não fazendo sequer um único jato de mijo
mal cheiro fezes líquidas: bem-estar aliviado do transtorno gerado pelo trabalho de digerir pizza refrigerante cervejas churrasco torta bolo de aniversário do sobrinho refrigerante pipoca hambúrguer docinho de coco brigadeiro refrigerante jujubas salgadinhos saideira de cerveja pipoca pizza sorvete bolo docinhos
Desenrola um bom pedaço do papel. Cinco, sete vezes. Nenhuma sensação estranha. Não haveria segunda vez naquela manhã. Pega do chão as roupas, veste a cueca, a bermuda, sobe o zíper, fecha o cinto, veste a blusa polo azul. Vira-se para trás. Não pensou no trabalho do funcionário que mais cedo havia limpado aquele espaço. Pensou na vergonha, teve pudor, receio, refletiu moralmente, não cairia bem outra pessoa em suas necessidades encontrar para própria surpresa um verdadeiro esgoto de merda na privada. Puxa a cordinha. Desce para sua própria salvação a merda líquida.
Menos mal. Se fosse merda dura, empedrada, correria o risco de entupir o banheiro, causando mais dor de cabeça e sofrimento, teria de procurar a sala da limpeza, do lado de fora, pedir por gentileza trouxessem um balde ou um desentupidor para desobstruir não precisa não se incomode ele mesmo faria isso porque ele mesmo que produziu aquela merda não não que isso estamos apenas fazendo nosso serviço não se envergonhe todos os dias desentupimos merda de banheiro limpamos vômito e muitas coisas deixe disso é coisa comum então está certo obrigado pela ajuda muito obrigado mesmo depois eu pago um cafezinho que isso homem não precisa mesmo então está bem muito obrigado mesmo
Repete o habitual ato comum de dar a descarga. Abre a porta. Lava as mãos.
Apressa-se em sair. Precisava conseguir se consultar com o clínico geral, precisava fazer os exames de rotina, conseguir encaminhamento para o otorrinolaringologista.

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