segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Da mulher do “jardineiro”


A retórica do jardineiro entre motivos que nem ele sabe quais sejam, por piores que fossem as palavras ou atos da mulher do narrador dessa história, ele não poderia, sequer deveria, ter trocado sua própria mulher por uma planta, mesmo que esta fosse a mais bela de todas.
Eis aqui a retórica da mulher do jardineiro.
Se é que alguma vez houve uma retórica do tal jardineiro – que por sinal não demonstrou muito talento para as construções sintáticas e estilísticas que deveria saber e dominar, visto ser ele um advogado, conhecedor de técnicas discursivas complexas com finalidades não muito francas ou respeitosas.
Lembro-me agora, remexendo minhas coisas, minhas gavetas, tendo encontrado um poema que me tinha escrito por ocasião do nosso quinto aniversário de casamento; lembro-me agora dos péssimos modos que tinha quando lhe pedia, atentem-se ao fato, quando lhe pedia que fosse comprar pão para nosso café da manhã nas tardes de sábado. Respondia-me que não lhe caberia fazer aquilo, pois aturava todos os dias filas enormes nos fóruns da cidade indo de lá para cá com papéis e mais papéis de processos que pareciam não ter fim e, tanto trabalho, para não ganhar quase nada – assim me dizia.
E dava desculpas atrás de desculpas, até que eu me cansava e ia eu mesma comprar o bendito pão; pão este que ele comia com grande alegria, quase todos ele comia.
E quase sempre era a mesma maneira de falar, pouco gesticulava, muitas vezes gaguejava, é fácil notar isso, pois ele a todo momento faz pausas e intercala frases a fim de conseguir um tempo para recobrar o fôlego. Era insuficiente e irrisória em sua técnica oratória. Agora me lembro.
Se houve alguma forma que busquei para que ele desistisse do nosso relacionamento? Talvez. Houve um dia em que estava na feira e me deparei com uma bela rosa.  Em nosso quintal havia, naquela época, poucas plantas. Rosa bela, amarela, e mais brilhante quando um raio do sol lhe tocou as pétalas. Fui tomada de uma forte sensação que me fez comprar aquela rosa.
Não faço aqui grandes inversões ou divagações; apenas minha memória e o que vivi; não quero me estender para não ser cansativa; não quero igualar-me ao seu estilo.
Houve uma forma, um dia em que foi mais que necessário livrar-me daquele fardo. Leio agora meu diário – neste dia mesmo fiz algumas rápidas anotações.
Noite. Preparei uma deliciosa comida, arrumei a sala. Preparei o ambiente. Propício. Vesti-me conforme a ocasião. Velas. Incenso. Perfume. Creme para pele. Não seria para livrar-me, mas para prová-lo.
Não me correspondeu. Levara para a mesa um esquisito vaso no qual, segundo ele, havia uma semente de uma planta da qual ele iria cuidar com exclusiva dedicação.
No dia seguinte suas malas estavam prontas – tive o desprazer de fazê-lo com minhas próprias mãos durante toda a madrugada. Ele não quis aceitar, tentou inclusive me agredir, mas estava eu munida de vassoura e ferro quente, não ousou levantar as mãos contra mim. Só tive estas palavras para ele: Vá cuidar desse vegetal longe de mim; já estou dando início à nossa separação e já mudei meu status no Facebook. Adeus!

Gabriel Sant'Ana

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