quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Não se importe, senhora!

Caminhava sem rumos pela rua. Um completo tédio o dominava. Pessoas felizes nas calçadas, no meio da rua, casais alegres se beijavam, crianças corriam brincando, uma família comia o churrasquinho e bebia sua cerveja e refrigerante em um barzinho. Tudo era alegria, felicidade em plena noite de quarta-feira. Por que não podia se sentir feliz agora? O que faltava? Não havia adiantado muito o jogo de futebol com os amigos na quadra. A conversa com a namorada tinha sido desastrosa.
Avista o supermercado. Por que não entrar? Por que entrar? Não tinha nada ali para fazer. As compras já fizera há algumas semanas. Se não tinha nada para fazer ali, não havia, pois, motivos para entrar. Portanto que voltasse para sua casa, já que não tinha mais nada para fazer na rua e já tinha andado bastante, os pés já estavam doloridos, saíra de chinelos, antes tivesse colocado um tênis, o que iria permitir que andasse mais um pouco e não sentiria dores nos pés.
Sentiu-se tentado para entrar. Apesar de toda lógica que fizera, deixou-se levar pela emoção. Ou que seja lá isso que estava sentindo. Mas era anormal. Não era o que deveria estar fazendo. Deveria se controlar, controlar suas pernas, que já o levavam para dentro do supermercado. Nunca algo assim lhe acontecera.
Caminhava, agora, entre os produtos de limpeza, entre os macarrões, frangos congelados, biscoitos recheados das mais variadas marcas, entre refrigerantes e bebidas alcoólicas, entre pessoas e mais pessoas que faziam algo de útil, suas compras do mês.
Parece que o olhavam os fiscais do supermercado. Deveria disfarçar algum compromisso, alguma irritação, pegar algum bloquinho e fingir riscar os itens de compras. Não deveria chamar atenção.
Não só caminhava. Fingia uma atenção neurótica ao olhar os preços dos produtos. Fingia uma irritação doentia pelos preços altos, pelos esbarrões que muitos carrinhos davam nele, pelos telefonemas de sua mulher. Fingia uma preocupação sem limites pelos futuros gastos no cartão de crédito e pela fatura que ainda não tinha pagado, além das contas de luz, telefone, escola do filho, material escolar, roupas, presentes, gastos que já passavam de mil reais.
E pegava uma lata de leite condensado e ficava olhando a receita do verso. E comentava com alguém próximo sobre os preços que haviam aumentado demais, ou do forte calor que fazia, ou dos trens lotados que, todos os dias, pegava voltando do trabalho. E corria com pressa ao ouvir a promoção-relâmpago do leite semidesnatado.
Seu carrinho estava um pouco cheio. De quase tudo havia colocado ali. Olhou o relógio e figurou apreensão pela hora. Comentou com uma pessoa na fila que sua mulher o estava esperando com o material para o bolo do aniversário do filhinho, que será no dia seguinte. Mas, como as filas estão lotadas, quilométricas, talvez tivesse de fazer as compras no dia seguinte e, o pior, em cima da hora. As pessoas se compadeceram dele e deixaram que ele passasse a frente e fosse logo pagar suas compras. Eram cinco pessoas em sua frente. Ele agradeceu. O caixa foi passando os produtos. Ele pega sua carteira. Abre. Não era possível! Como isso aconteceu? Bem que havia desconfiado de seu colega de trabalho... Havia roubado seu dinheiro e seu cartão de crédito! Logo ali no trabalho, aproveitando sua ida ao banheiro! Começou a chorar, a ficar em prantos e em pânico.
Havia uma senhora na fila e ficou sentida pelo caso triste. Como boa serva, pagaria suas compras, que não se importasse, era uma boa ação que ela deveria fazer, não era o que estava escrito: que amasse ao próximo como a si mesmo? Não deveria apenas saber, mas praticar. Que isso, senhora... Não era necessário. Ele voltaria no dia seguinte...
E a senhora pagou suas compras.
Agradeceu mais de cinco vezes à senhora, beijou-lhe o rosto, as mãos, ficou, inclusive, de joelhos. Ela era um anjo caído do céu. A senhora retribuiu-lhe os agradecimentos e que ele fosse em paz para sua casa.
No dia seguinte, ele irá a outro supermercado. Dessa vez faria compras para sua avó, a quem muito amava, que estava em um asilo e que só tinha a ele.

Gabriel Sant’Ana

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Praça dos sobreviventes

Saindo do portão gradeado e alto da escola, há uma praça que fica em frente, a uns dois metros, de uma igreja que abre às seis da manhã, cu...