sábado, 22 de março de 2014

Milho

Moro aqui há mais de vinte anos. Me lembro de quando brincava com meus amigos de bola... Não tinha pracinha com quadra não... Era tudo no barro, sabe? A gente ralava o pé no chão, sangrava os dedos, e ainda vinham as mães procurando os filhos, né, por causa da hora, e nos dava muita palmada de tamanco... (seus olhos e sua respiração param por breves minutos) É saudade, sabe, o que estou sentindo... Então, tive que começar a trabalhar cedo, ajudava meu pai nas obras do bairro, depois com dezoito anos fui trabalhar em Deodoro, ficava recebendo os tíquetes de trem... Mas aí fui demitido, me acusaram de roubar os dinheiros... Época difícil... Meu pai morreu, minha mãe lavava roupa pra fora, mas não era o suficiente, sabe. Éramos dez irmãos... Acabei dando nisso... Não, não terminei a escola... Com um dinheiro que estava juntando, comprei uma carrocinha e passei a vender pipoca em frente das escolas... Muitas crianças compram, sabe, eu passo antes de acabar as aulas, levo a panela pra perto do portão e lanço a fumaça lá pra dentro, é como o padre na igreja, sabe, com aquele negócio cheio de fumaça, incenso, né... Aí elas ficam pedindo pras mães, compra, compra, aí eu começo a falar os preços e elas vão e compram... Normalmente compram a de um real, raramente a de cinco... Fazer o quê... tem que ter fé...de grão em grão a galinha enche o papo... Ah... meu sonho é abrir uma lojinha onde eu posso vender minhas pipocas, aí vai dar pra vender suco, refrigerante, açaí também, né, agora tá uma onda aqui desse negócio, fico andando com minha carrocinha pela Villa toda, poucos compram pipocam, mas o açaí...ih, é uma doideira... Aí é isso, vou ver se junto um dinheirinho, até posso comprar esses negócios de fazer esse açaí, aí boto na porta da minha casa, sabe, tem várias pessoas aqui fazendo isso... (seus olhos brilham de esperança e seu fôlego aumenta)



Gabriel Sant'Ana

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