terça-feira, 4 de março de 2014

Esboço de um entre-lugar

Iniciais

Talvez fosse difícil para mim inventar uma história no meio de estradas. De onde sou é melhor não tentar passos tão largos. Prefiro modestos. Fico nas calçadas.
Se viessem aqui, veriam tantas coisas por melhorar, como aquela praça. Aquela quadra, em dias de chuva, alaga. Temos apenas uma linha de ônibus, o que nos dificulta a mobilidade. Os que têm melhores condições vão de carro para o trabalho. Mas o restante fica à mercê desse serviço tão precário.
Comecei sem antes ter me apresentado. Mas que proveito teriam com isso, se não o tenho por morar em um lugar como este? Me resumo a apenas a um morador. Não um desconhecido por ter registro civil, CPF, cartão de crédito em meu nome, contas. Apenas morador, o que é suficiente para cobrir de algum sentido o papel a que me incumbi.
Se têm esperança de que lerão algo interessante, acabem com ela. Talvez sejam apenas poucas linhas. E talvez entediantes.
Eis o tédio de morar em um lugar quase bucólico. Quase uma vila. Pois o número de moradores é grande, tanto que não conheço sequer um terço. Temos supermercados, bares, lojas de lanches, casas de festas. Até um pequeno shopping há.
A vida aqui se resume à palavra "meio", ou "entre". Quando me perguntam onde moro e digo onde é, os rostos sempre se mostram em dúvida, como se procurassem em algum lugar na mente uma lembrança ou visão ou ainda algum som que lhes possibilite compreender o significado do nome respondido. Em todo caso, para lhes facilitar, sempre respondo que fica entre Madureira e Marechal Hermes, entre Campinho e Praça Seca. É um lugar que fica no meio. E fica meio compreendido pelas pessoas interessadas em saber onde é.
Curioso que, no fim do ano passado e no início deste, este lugar começou a aparecer na televisão, ainda que em notícias não muito felizes, como os tristes casos de roubo e assassinato. Talvez seja essa a imagem de um lugar suburbano que costuma ser veiculada.
Para uma curta introdução desse esboço, essas palavras parecem ser suficientes. Restam apenas dois capítulos - "A terra" e "As pessoas" - que, ainda que de modo difuso e incompleto, pois apenas o contato direto com o lugar daria uma satisfatória compreensão, permitirão uma ampla visão da nossa Villa Frei Luiz.


Gabriel Sant'Ana

Um comentário:

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