terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Pela tarde

Sentado no sofá. Virei para trás e tomei um susto. Meus cabelos estavam no chão, meu rosto estava se decompondo, meus olhos... Onde estavam meus olhos? Como conseguia me enxergar sem eles?
Batiam as duas horas da tarde. Senti uma fome animal. Levantei-me, fui à geladeira. O leite, azedo, me chamou atenção. Enchi minha caneca, tomei de um gole. Peguei o pacote de pão de forma, mofado, e comi sete fatias com queijo minas. Algumas baratas roíam restos de comida no chão, pisei e coloquei dentro do liquidificador, bati com banana e aveia, a Farinha Láctea não pôde faltar.
Minha mulher chegou às seis horas. Estava no quarto, nu, dentro do edredom, o ar condicionado ligado. Não notou nenhuma diferença em mim. Não acendemos a luz. Fizemos o de costume. Sentiu uma pequena estranheza, eu estava mais agressivo.
Estava mais esfomeado. Comecei mordendo-lhe os dedos dos pés, vagarosamente, seu corpo se arrepiou. Não me segurei mais, arranquei-os. O prazer daqueles dedinhos e o sangue na minha boca. O prazer de seus gritos, seus olhos esbugalhados, sua garganta se avermelhando, suas unhas me arranhando, procurando se desenlaçar de mim.
Ela era linda, semideia. Minha beleza tinha ido àquela tarde. Naquele início de tarde, tomei um banho demorado, enxaguei minha cabeça, sem cabelo, fiz a barba no chuveiro; enxuguei-me, fui me olhar no espelho embaçado. Desgraçado! Nada havia mudado. Lembrei o que meu oftalmologista me dissera. Desgraçado! Minha visão estava perfeita. Lembrei-me da minha consulta com o urologista, semana passada. Inferno!
Ela era espetacular.
Mas fez o que nunca havia imaginado. Não sei como conseguiu. Ela sugou tudo de mim, literalmente. Foi como um feixe de luz a iluminar minha mente, veio a lembrança do dia anterior. Eu na cama, deitado, nu, o ar condicionado ligado. Ela veio, de calcinha e sutiã, vinhos, banhada num perfume enlouquecedor, cabelos soltos, molhados, olhos fatais, desejos em mente. Fizemos o de costume. Para terminar nossa noite, me fez o melhor oral que já tinha recebido. Lambeu-me furiosamente, mordeu-me ávida e delicadamente, chupou-me, engoliu-me, engasgou-se propositadamente, babou-me, lambeu-me mais vezes, gargarejou, cuspiu, engoliu, tossiu, sugou-me por completo, desgastou-me.
Tudo de mim saiu naquela rajada de sêmen na sua boca. Não percebi alguns fios de meu cabelo na cama. Só agora me dei conta. Transformou-me em algo que não o que era eu, ou que eu fazia ideia de mim mesmo. Não tinha mais testículos, ela os devorara. Só deixara o que lhe interessava.
Devorei seus dedos. Mastiguei seus braços. Arranquei seus seios, engoli. Cortei em mínimos pedaços sua vagina, joguei no chão, algumas baratas e o rato, que há meses estava debaixo da cama, começaram a comê-los. O restante do corpo estraçalhei e bati no liquidificador, com banana e aveia, leite azedo e Farinha Láctea, enchi minha caneca e tomei de um gole.
Depois fui para a varanda ler Alencar.

Gabriel Sant’Ana

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