quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Página 69

             Madrugada de julho. Escorriam pelo vidro da janela do quarto as gotículas de água de um chuvisco intenso. Na cabeceira, o romance, marcado na página 69.

“Entrou pela porta, cautelosamente, não podia fazer qualquer barulho, poderia acordar a velha que dormia no quarto ao lado. Aquele ronco irritante não incomodaria, não atrapalharia o que estavam esperando há uma semana.”

O quarto não era grande, mas confortável, e tinha sido limpo pela manhã. O aroma do produto de limpeza ainda estava grudado no chão de madeira, no armário, na mesinha. Algumas roupas estavam sobre uma cadeira do lado esquerdo do armário.

“Fechou a porta com o máximo de cuidado. Deu duas voltas com a chave. Tirou o casaco e a calça. Colocou-os na cadeira ao lado da cama. Como senti sua falta (em sussurros). Eu também...”

Da janela se via a Lua. Ouvia-se o ruído do vento. Faltavam poucas, não muito longas horas, para o amanhecer. Nas árvores do jardim, dois pardais tentavam se proteger daquele chuvisco. O cão estava na sala de jantar, no andar de baixo, ávido para que a casa acordasse e lhe desse o delicioso pão com pedaços de mortadela.

Seus lábios e línguas fizeram os movimentos mais discretos e sem ruídos. Seus corpos se roçaram, entrelaçaram-se, mãos e braços e pernas e sexos e bocas e cabelos e pelos e salivas e suores e odores e olhares e respiração e pensamento e desejo. Sem pressa, tocando cada mísero e finito minuto no corpo um do outro. Debaixo do lençol branco que fora de sua tia. À meia luz da Lua, que entrava pela brecha da cortina entreaberta.

Antes das cinco da manhã, vestiu-se um pouco apressadamente. Nos vemos na próxima noite? (em sussurros) Sim...estarei sempre te esperando...venha! (em sussurros  agitados) Deixei uns versos para você na página do romance sobre sua cabeceira.

Gabriel Sant'Ana

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