domingo, 28 de abril de 2013

Segundo dia

A respiração fatigada saindo de sua boca entreaberta, seu corpo extasiado, embebido em uma sonolência estática, revirando-se para os dois lados, suas pernas misturando-se com seus braços, fios de cabelo entrando na outra boca, seu ombro o travesseiro do outro, apenas de calcinha preta, enrolada no lençol, olhos semiabertos revirando-se por causa de um sonho um tanto perturbado, instintivamente busca abrigo em seu peito, em resposta um abraço forte e a perna direita a envolver seu quadril, daqui a dois minutos o despertador a tocar.
Oito e meia da manhã, domingo, segundo dia.
Após os rápidos minutos de abrir os olhos, de trocarem olhares e beijos carinhosos, e roçar de mãos pelo corpo, ajeitar o cabelo, retirá-lo de dentro da boca, balbuciar algumas palavras, talvez um bom-dia, ou um eu-te-amo, instantes em que a vista se irrita com a luz do dia a penetrar o interior do quarto através de uma brecha da cortina, invadindo agressiva a retina, fariam o costumeiro de todas as manhãs, levantar, tomar banho juntos, vestir-se e tomar café.
O toque gelado da água no corpo aquecido de uma noite entranhada no corpo do outro sob o lençol. Um leve arrepio. Beijos molhados e a espuma do sabonete.
O olhar dela sugere uma entrega oculta aos dias dele que virão. Confirmam essa suspeita os lábios que tremem um sorriso, as mãos que seguram firmes as dele, o olhar cabisbaixo e o rosto a cair sobre o ombro.
Não foi preciso pedir que ela ficasse. Não voltaria a trabalhar na padaria. Não mais teriam conversas triviais.
Parecia estar satisfeito com a companhia. Ambos pareciam estar.
Não temos mais o que relatar deste maravilhoso dia comum, apenas o que ficou acima, a cena do banho, que parece não se repetiu nos outros dias, ou por causa da pressa, ou porque a cotidianidade do convívio tornou o corpo de cada um demais gasto para as vistas, não despertando mais curiosidade ou prazer intenso.


Gabriel Sant'Ana

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