quinta-feira, 11 de abril de 2013

Primeiro dia

Havia começado com uma caminhada há alguns poucos minutos. Sentia sua respiração ofegantemente suada. Puxava pela boca o escapável ar da manhã - frio, fino, geladinho doendo as narinas entupidas de coriza. Sentia uma leve tontura na cabeça cheia de pensamentos rarefeitos que se esforçava por conseguir captar o sonho do dia anterior. Não adiantaria o vão esforço.
Deu continuação a mais um pequeno percurso da sua rua. É ruim começar uma caminhada com o estômago vazio.
Mas assim que chegasse à padaria e desse bom dia à magricela mas adorável atendente e fizesse uma pergunta indiscreta a ela convidando para tomar café da manhã com ele e pedisse o pão que deveria ter acabado de sair há uns dez minutos e provavelmente ela aceitaria o convite pois já seria a terceira tentativa que faria mas notara que os gordos olhinhos verdes da mulher estavam menos negativos e mais abertos a uma possível nova aventurinha amorosa - na verdade ela notara que ele sempre pagava com notas de cinquenta reais e sempre dava a ela uma diminuta gorjeta de dez reais.
Bom dia minha querida; estou ofegante porque hoje comecei a minha tarefa de parar com o sedentarismo, cansei de acordar e ficar sentado de frente para a tv e ficar assistindo aos mesmos noticiários matinais... Estava pensando que você bem poderia vir comigo me fazer companhia no meu café que cotidianamente tomo sozinho no silêncio da minha cozinha.
Tá bom. - Secamente e de maneira direta respondeu, ao passo que ele se surpreende com uma afirmação tão categórica e positivamente afirmativa.
Agora haviam começado o mesmo percurso da volta atravessando a rua com o máximo de cuidado e atenção.
Não conversam apenas se olham.
Sou filha do dono... Gosto de trabalhar de manhã para ter tempo de ir para a faculdade de noite...
As primeiras palavras se confundiam com os primeiros raios de sol daquele dia.
Primeira hora da manhã daquele dia. Oito horas.
Aqui é a minha casa fique à vontade.
Trinta minutos após as primeiras horas das primeiras palavras.
Tiram os sapatos. Convida para um banho morno para esquentar os corpos enregelados das anteriores horas daquela manhã.
Sussurros e abraços e mordidas e beijos e arranhões. Entrando, metendo, saindo, chupando, sugando, metendo com mais força e vigor, vigorosamente ardida, molhada, abrindo a boca, fechando os olhinhos verdes, vigorosamente cheio de sangue e furor, forçando, empurrando mais fundo, sendo empurrada contra a parede, batendo com a cabeça, sendo puxados os cabelos, sendo furiosamente.
Deixaram os oito pães sobre a mesa - se esfriando durante.
Após os durantes quarenta minutos de banho retornam à cozinha, esquentam os pães, faz um café rapidamente.
Naquele dia passou a tarde na casa. Pedira que ela ficasse para a janta.
Naquele dia dormiu acompanhado preenchendo o vazio lateral da cama. Pedira que ela ficasse para dormir.
Passou o dia com sua manhã, tarde e noite. Vinte e três horas completamente usadas. Faltava uma que usariam para as conversas triviais de o-que-você-faz, o-que-você-pensa-da-vida, nossa-mas-que-interessante, já-namorou-antes, quer-ter-filhos, etc-etc-etc.
Fim do primeiro dia.

Gabriel Sant'Ana

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