quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Minutos


Mais uma noite, mais uma história para dormir.

De costume, o filho deitado, enrolado no cobertor, olhinhos ávidos por mais uma ficção e ao mesmo tempo sonolentos e semiabertos.

Sentado ao lado, mente atolada de compromissos e responsabilidades, contas para pagar, mais contas que ainda fará, a mulher para acariciar depois. Já de pijama também. Barriga cheia da janta. Estômago sobrecarregado com bife de alcatra bem-passado, arroz, feijão e farofa, não faltou o delicioso suco de maracujá, de uma marca barata. Mais que satisfeito. Solta alguns arrotos, o filho sempre ri – não foi diferente.

Não foi diferente a história que contou. Sempre o mesmo enredo, mesmos personagens, mas nunca se chega ao fim.

- Que tanto você faz aí nesse quarto? Vem logo!

Não dava ouvidos aos clamores da mulher. E começava sua encantadora história. Estava André vagando pela rua à noite e viu um brilho muito forte que parecia vir em sua direção. Ele era muito curioso e esperou o brilho. Não era um brilho, mas um grande ser, com asas, uma espada, parecia um anjo. E o anjo disse para André que, quando ele fosse adulto, ele teria um filho que seria o maior orgulho da sua vida. Depois disso, o anjo sumiu e André voltou para casa feliz e um pouco assustado pela aparição de um ser tão iluminado e fantástico. Agora durma e amanhã continuaremos.

Deitou ao lado da mulher e se amaram como todas as noites. Após o amor, cada um se vira para seu canto para sonharem e aproveitarem míseros minutos de torpor e descanso e daqui a mais poucos minutos serem despertados pelo despertador do celular com uma musiquinha irritante, própria para isso.

O dia é o mesmo para todos.

Chega a noite. Após o jantar, escova os dentes e vai ao quarto.

- Vê se não demora! Quero terminar mais cedo essa noite, ontem fiquei arrasada, não consegui nem acordar direito.

Está calor e o filho não está coberto, está com um short e camiseta. Olhinhos semiabertos, ansioso pela continuação da história, pelo fim. Senta-se ao lado, começa a narrar. André caminhava na praia, era fim de semana. Reparou que algo na água se mexia, mas não era um peixe ou tubarão. Era muito curioso e se jogou ao mar. Nadou, nadou, nadou. Era algo como um homem-peixe. Muito estranho. E esse homem-peixe levou André para o fundo do mar para conhecer uma pessoa.

Não fizeram amor esta noite.


Gabriel Sant’Ana

Um comentário:

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