domingo, 10 de junho de 2012

Na esquina da padaria


I

Dizia assim o bilhete sobre a mesa da cozinha: me encontre na esquina da padaria às 14h. Não se atrase.
Nenhuma assinatura.
Alguns minutos antes dispensara a doméstica, não era necessário fazer o almoço, iria se encontrar com uns amigos no restaurante. Fora tomar banho, se arrumar para sair, e quando foi beber um copo d’água encontra o bilhete.
Ninguém além de Marilda estivera em casa.
Pois bem, vamos à esquina, não nos atrasemos.
Apertou o passo para de fato não se atrasar. Não respondeu à vizinha que lhe dava boa tarde, não acariciou o gato, sequer fizera o sinal da cruz ao sair de casa. Deixou destrancada a porta.
A padaria ficava distante dali, era necessário tomar um ônibus. Demorou mais de dez minutos. E ainda estava lotado. Iria em pé, amarrotaria a roupa, se encostaria em pessoas imundas, levaria esbarrões que desfiariam sua blusa. Não se importava com nada. Estaria na esquina. Faltavam ainda trinta minutos.
Apesar do engarrafamento, conseguiu.
Não havia ninguém na esquina. Esperaria o tempo que fosse.
Agora lembramos que o bilhete não era recente. Quanta infelicidade. Havia escrito ontem para Marilda, pois queria que me ajudasse com as compras para a casa.
Primeiro surgiu Marilda à minha frente depois de eu ter acordado de um pesadelo. Ela foi tão solícita que lhe prometi nunca mais deixá-la só, ela seria para sempre minha. Pagaria caro pelos serviços. Ela não me respondeu, mas seus olhinhos. Eu ainda estava na casa de um tio, passando minhas férias. Quando voltasse, pensaria em como seria minha casa.
Ainda não tenho muita ideia de como é a casa. É algo vago, ainda há tempo para pensar nisso depois.
Mas veio, então, a ideia vaga de casa: um espaço com quarto, sala, cozinha, banheiro. E em seguida, como que por consequência, o lugar onde se localiza, também vaga, algo como um bairro, talvez um subúrbio.
Já existia Marilda, a doméstica. Veio surgindo informe esse alguém para talvez completar alguma coisa, que ainda não sei o que é ou será.
Infelizmente, ele surgiu no dia seguinte à minha ida ao supermercado. Infelizmente porque o deixei livre, e ele acabou por descuido lendo o bilhete.
Deixei-me também livre de observar e controlar o que se sucedia.
Agora está ele ali na esquina da padaria esperando alguém que talvez nunca virá.
Vou deixá-lo para pensar melhor no que farei.

Gabriel Sant’Ana

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