I
Dizia assim o bilhete
sobre a mesa da cozinha: me encontre na esquina da padaria às 14h. Não se
atrase.
Nenhuma assinatura.
Alguns minutos antes
dispensara a doméstica, não era necessário fazer o almoço, iria se encontrar
com uns amigos no restaurante. Fora tomar banho, se arrumar para sair, e quando
foi beber um copo d’água encontra o bilhete.
Ninguém além de Marilda
estivera em casa.
Pois bem, vamos à
esquina, não nos atrasemos.
Apertou o passo para de
fato não se atrasar. Não respondeu à vizinha que lhe dava boa tarde, não
acariciou o gato, sequer fizera o sinal da cruz ao sair de casa. Deixou destrancada
a porta.
A padaria ficava
distante dali, era necessário tomar um ônibus. Demorou mais de dez minutos. E ainda
estava lotado. Iria em pé, amarrotaria a roupa, se encostaria em pessoas
imundas, levaria esbarrões que desfiariam sua blusa. Não se importava com nada.
Estaria na esquina. Faltavam ainda trinta minutos.
Apesar do
engarrafamento, conseguiu.
Não havia ninguém na
esquina. Esperaria o tempo que fosse.
Agora lembramos que o
bilhete não era recente. Quanta infelicidade. Havia escrito ontem para Marilda,
pois queria que me ajudasse com as compras para a casa.
Primeiro surgiu Marilda
à minha frente depois de eu ter acordado de um pesadelo. Ela foi tão solícita
que lhe prometi nunca mais deixá-la só, ela seria para sempre minha. Pagaria caro
pelos serviços. Ela não me respondeu, mas seus olhinhos. Eu ainda estava na
casa de um tio, passando minhas férias. Quando voltasse, pensaria em como seria
minha casa.
Ainda não tenho muita
ideia de como é a casa. É algo vago, ainda há tempo para pensar nisso depois.
Mas veio, então, a
ideia vaga de casa: um espaço com quarto, sala, cozinha, banheiro. E em
seguida, como que por consequência, o lugar onde se localiza, também vaga, algo
como um bairro, talvez um subúrbio.
Já existia Marilda, a
doméstica. Veio surgindo informe esse alguém para talvez completar alguma
coisa, que ainda não sei o que é ou será.
Infelizmente, ele
surgiu no dia seguinte à minha ida ao supermercado. Infelizmente porque o
deixei livre, e ele acabou por descuido lendo o bilhete.
Deixei-me também livre
de observar e controlar o que se sucedia.
Agora está ele ali na
esquina da padaria esperando alguém que talvez nunca virá.
Vou deixá-lo para
pensar melhor no que farei.
Gabriel Sant’Ana
Nenhum comentário:
Postar um comentário