Suas mãos procurando compulsivas algo dentro da bolsa, seus olhos
arregalados, sem piscar, guinado-as pelo pequeno espaço entupido de coisas
acumuladas, contas de supermercados, notas fiscais, papéis de bala, pente,
carteira, batom, bloquinho de anotações, e empurrando para a esquerda tudo
aquilo, nada, nada, onde estaria, papeizinhos amassados, amarelados, há mais de
cinco anos ali dentro, absorventes, um rolo de papel higiênico para aquelas
horas de aperto na rua, um desenho do filho, rabiscos feiosos, tortos, de uma
cor só, como pudera dizer que estava lindo, algumas gotas de suor pingando de
sua testa, manchando o belo desenho do filho, que é picotado em pedaços e
jogado na calçada, agora com mais raiva leva todo aquele material de uma vida
apressada para o canto direito talvez não estivesse naquele outro canto todo
seu corpo banhando-se intensamente com o suor que escorre por cada região dele
suas mãos já mais rijas suas veias saltando sente-se levemente tonta ainda nada
não se sentaria no chão para procurar teria de ser ali mesmo de pé que se
danassem os outros que se desviassem não pararia de buscar acharia não tirara
da bolsa era certo ontem retirou tudo da outra bolsa e colocou nesta o celular
vibra ao fundo não atenderia que morresse o mundo deixara o filho na creche que
tomassem conta dele remexe com mais impaciência todos os cantos da bolsa seus
dedos nervosos olhando cada mínimo buraco da maldita um linha se agarra ao
relógio de pulso piorando o estado bruscamente solta-se dela mas o pequeno dano
faz aumentar ainda mais o volume de coisas inúteis dentro jorram uma infinidade
de bilhetinhos da época em que ainda era casada e se encontrava com um colega
de trabalho que lhe escrevia pequenos poemas eróticos copiados de algum poeta
que desconhecia mas adorava aqueles versos escondia-os na bolsa o marido certo
dia achara um fora horrível desde aquele dia costurava o que ganhasse na bolsa
remexe remexe o sol quente não mais incomoda seu corpo que parece já fazer
parte daquilo sua animalescamente a virilha ardendo suas pernas tremendo a cada
volta que faz dentro da bolsa não percebe que o dia caía não percebe nada a sua
volta não mais usa as mãos agora coloca o rosto dentro com a boca remove o que
há pelo caminho suas costas envergam-se num movimento de árvore nova recebendo
uma ventania em seu tronco suas pernas não mais tremem seus pés não sentindo o
chão seus olhos vidrando-se com o nariz buscando o que nem mais se lembra mas
busca mesmo assim irá achar mostrará que tinha sim mais tarde em casa colocaria
os pés numa bacia de água morna depois deixaria as pernas levantadas para fazer
o sangue correr vai encontrar os papéis de mais de cinco meses ferindo seu
rosto uma agulha emprestada pela vizinha fura seu olho esquerdo mesmo assim
roda em busca a poeira do fundo entrando nas suas narinas entupindo o fecho
arranha seu pescoço não sua a tontura já tomando conta de si permanece ainda de
pé seus joelhos inexistem os ouvidos atentos a qualquer movimento suspeito
dentro dela o celular volta a tocar não consegue distinguir o número é a
secretária da creche ligando para perguntar se alguém virá buscar o menino que
está em prantos com medo de ter acontecido algo de ruim à mãe já tinha vomitado
mais de duas vezes em prantos ninguém buscará o garoto o telefone de casa tocou
mais de vinte vezes moram só eles dois engolindo muitas coisas para diminuir a
obstrução e a fome farelos de biscoitos pães papéis de bala chiclete uma receita
de bolo de fubá as horas entrando na noite passantes olham a cena assustados
mulheres passando às pressas para seus filhos não ficarem com traumas ao verem
aquela loucura seu penteado já desfeito fios de cabelo arrancados pelos
movimentos ignorantes a maquiagem borrada pelo suor pelo sangue pela sujeira
adquire a cor da bolsa até o pescoço se arrepia pelo frio nada passando pela
cabeça senão a ideia de encontrar encontrar encontrar encontrar encontrar encontraria
encontraria e metendo ainda mais sua cara enfiando encontraria sim enfia-se
ainda mais metendo-se iria achar sim um pequeno estalo no pescoço selvagemente
come o que está à frente da boca que sangra intensamente mastiga a agulha a
lixa de unha engolindo o sangue um riso se forma nos lábios gargalha ali dentro
suas narinas se entopem por completo pensa ainda ter os ouvidos, sua sombra sem
perceber vai diminuindo
No dia seguinte apenas uma bolsa na calçada.
Gabriel Sant'Ana
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