segunda-feira, 16 de junho de 2014

Casa verde

Chove na Villa São Luiz. As ruas transbordam. O trânsito se demora. Escorre a tinta verde gasta da casa. Mais de vinte anos de existência. Duas gerações da família Santos viveram ali. Um aspecto gasto, cansado expira a casa.
Suas paredes revelam as intempéries do tempo e da família. As aberturas nas paredes e no teto deixam passar para o interior as intensas gotas da chuva. Na sala, um sofá, uma estante repleta de livros velhos e empoeirados, uma mesa de canto, dois copos quebrados no chão. Fica a piscar uma lâmpada no corredor. Mofo, roupas encardidas, fotos antigas de um casal, talvez os primeiros da família Santos a morar na Villa. Era um terreno cheio de mato, poucas casas havia na esquina, moradores humildes que ganhavam a vida lavando roupa, vendendo carnes, ovos das galinhas cuidadas no fundo da casa. Pelas dificuldades financeiras, vieram da Tijuca para esse desconhecido lugar. Roberto Saraiva Santos e Júlia Santos, em seus trinta anos, com o que lhes sobrara dos rendimentos e a ajuda dos novos vizinhos, levantaram uma simples casa. Ao longo dos anos, conseguindo Roberto emprego nos Correios e Júlia costurando vestidinhos e bermudas para os vizinhos, economizando, comendo angu e carne moída, aumentam a simples casa, dois quartos, permanece o único banheiro, uma varanda se faz, um largo espaço para o plantio de goiabeiras, mangueiras e outras plantas para refrescar do sol castigante. Propício o tempo, vêm os filhos, ao todo cinco, dois homens, três mulheres.
Muitas cores teve a casa; a que permaneceu foi a verde. Ultimamente um verde morituro. Passam por ali e recordam as festas de aniversário, as comemorações de são João. Mas também o final trágico daquela família, a separação dos irmãos, o suicídio de Júlia e de Roberto.
Olhar triste da casa verde para as novas construções na Villa, quase todas grandes apartamentos, com piscinas, largas áreas de lazer, conquistando o céu num movimento apoteótico de máquinas, cimentos, pedreiros, engenheiros, imobiliárias.

Gabriel Sant'Ana

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Praça dos sobreviventes

Saindo do portão gradeado e alto da escola, há uma praça que fica em frente, a uns dois metros, de uma igreja que abre às seis da manhã, cu...