quarta-feira, 26 de junho de 2013

Desnecessidades

Nada mais irritante que entrar num ônibus, trem, metrô, lotado - um constante roçar violento de corpos apressados e suados - panorama comum (e talvez tenha abusado a leitura escrevendo período tão desnecessário).
Mas meu intuito é fazê-lo entrar em contato com meu panorama textual, fazer minhas palavras roçarem na sua retina ou nos seus ouvidos caso alguém esteja lendo devido a sua dificuldade, ou por ter esquecido os óculos no banheiro, ou uma conjuntivite, ou mesmo uma cegueira de nascença, ou ainda por ter feito mais cedo exame de vista e o médico lhe pedira repouso total.
Nada mais prazeroso que entrar num ônibus, trem, metrô, com algum espaço para se acomodar tranquilamente, estalar os dedos com cuidado; não falo para retirar da mochila, ou bolsa, aquele livro cuja leitura se faz obrigatória, ou entupir os ouvidos com fones para ouvir a música que você diz ser da sua vida. Digo para, ao sentar ou se ficar em pé, prestar atenção às pessoas que entram, que saem, às pessoas que vagam pelas ruas ou pelas estações, às árvores, ao chão, aos carros parados no trânsito, a uma discussão na calçada, a um acidente entre um ônibus e um carro onde estavam mãe e filho, que ia para o colégio, àquela pessoa sentada que não se ofereceu para segurar sua bolsa pesada, você tem ódio dela e esquece de olhar para o exterior, observa atento os movimentos desse cidadão, ele se faz de desentendido, abre a mochila, toma o celular, começa a jogar um joguinho irritante de pássaros idiotas, mas é interrompido por uma chamada, atende, um sorriso se estampa naquela cara, ele foi admitido no emprego, liga para alguém e conta toda a história do dia anterior em que fora à entrevista, mais de dez candidatos, mas se saiu bem na dinâmica de grupo, falou de modo claro e confiante com a entrevistadora; sua raiva aumenta porque você está desempregado e tem fome, não se desespere, você deve saltar no próximo ponto ou estação.
Você está sentado no ônibus. Engarrafamento. Todas as mãos começam a discar os números da residência, bocas nervosas transmitem ansiosas suas indignações, o filho ainda não jantou, chama o menino para chamar atenção em alta voz, e todos escutam. Observe as expressões das pessoas ao seu redor, olhe para os que estão dentro dos carros.
Não houve tempo para nada disso.


Gabriel Sant'Ana

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