sábado, 23 de novembro de 2013

Chupe, e deixe chupar

Sugo cada vez mais. Sugava forte. Uma ânsia potente pelo esvaziamento. Mas não é só sugar. Me agrada não este leite, não este bico rosado, não este seio farto e pesado; me agrada mordiscar. Ainda sem muitos meios para lhe aumentar a dor, servem apenas a pressão dos lábios e a gengiva, além das pequeninas e frágeis mãozinhas. Ai meu amor, assim não! Diminui a intensidade e pressão, para daqui a poucos e breves segundos reincidir. Ai querido, calminha... De leve dá uns tapinhas nas costas temendo que engasgasse com tão precioso líquido.
Não passou de três semanas para que a fonte secasse. Como alternativa me oferece uma mistura de cor parecida que custa uma parte do salário do progenitor.
Tanta fidelidade e amor, tanto atento cuidado de ferver a água, misturar o pó lácteo, encher a mamadeira, tomar-me em seus braços e enfiar na pequenina boca algo parecido com o bico do peito. Não consegue aceitar ter acontecido aquilo. Todas as noites, ouço ambos gritando, sinto vibrando as paredes, coisas caindo. Todo tempo, de hora em hora, no mais puro e perfeito ritual de cuidado, me alimenta, dando agora tapas cada vez mais fortes nas costas, que passam a ficar marcadas, mas até agora ele ainda não percebeu o que acontece quando vem realizar a sua oferta diária.
Ai caralho! Filho da puta! Escorre pelo rosto a mistura ainda saída do forno. Filho da puta! O que você quer?! Não desiste da tarefa. Insiste em alimentar, em prover, em forçar, em cumprir com a mais maternal das tarefas. Persisto jogando-lhe de volta no rosto aquilo.
Mas sinto algo esquisito na barriga... Não... Isso de novo... Golfo nela toda, cago todo o chão com aquele azedo ardente. Desgraçado!
No auge de sua angústia atira a mamadeira, o chinelo, o ferro de passar.
Joga a criança no chão, desfalece após chutes, gritos e choros.


Gabriel Sant'Ana

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